Revolucionárias | Ruth de Souza, a atriz

A menina que passou a infância sonhando com as divas de Hollywood virou a primeira atriz negra do teatro, do cinema e da televisão brasileiros

13.11.2017  |  Por: Karla Monteiro

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Revolucionárias | Ruth de Souza, a atriz

“O primeiro filme que vi na vida foi Tarzan, o Rei das Selvas. Fiquei muito impressionada, vivia dizendo que queria ser atriz. Aliás, aprendi muita coisa com os filmes de Hollywood daquela época. Eu amava, ficava sonhando com as divas. As pessoas riam de mim. Diziam: ‘Acorda, não tem atriz preta.’ Preta não podia sonhar”

A atriz Ruth de Souza é um marco na História do teatro, do cinema e da TV: no palco e nas telas, foi a primeira atriz negra do Brasil. Em maio de 1945, estreou no Teatro Municipal a peça O Imperador Jones, com direção de Abdias do Nascimento, da companhia Teatro Experimental Negro. Três anos depois, estava no cinema, no filme Terra Violenta, uma adaptação do livro Terras do Sem Fim, de Jorge Amado, dirigida por Edmond Bernoudy e Paulo Machado. A partir daí, tornou-se estrela cativa nas produções de Atlântida, Maristela Filmes e Vera Cruz. Em 1969, passou a integrar o elenco da TV Globo, tornando-se também a primeira negra a protagonizar uma novela, Cabana do Pai Tomás, de Walter Negrão.

 

Aos 96 anos, Ruth de Souza vive num apartamento modesto no Flamengo. Diz nunca ter carregado bandeira: só queria ser atriz. Criada numa vila de lavadeiras em Copacabana, cresceu sonhando com as divas da era de ouro de Hollywood. Eram os anos 30/40. Em 1945, ao subir no palco do Municipal, um teatro que negros não frequentavam, começou a trilhar uma carreira que se estenderia por 42 novelas, 37 filmes e 18 peças de teatro.

A consagração, diga-se, veio cedo. Em 1954, Ruth ganhou o prêmio de melhor atriz no Festival de Veneza, com o filme Sinhá Moça, dirigido pelo argentino Tom Payne.

 

Ela por ela

Eu sempre quis ser atriz. Nasci no Rio, minha mãe é carioca. Mas nós morávamos na roça, no interior de Minas. Depois que o meu pai morreu, voltamos para cá.

O primeiro filme que vi na vida foi Tarzan, o Rei das Selvas. Fiquei muito impressionada, vivia dizendo que queria ser atriz. Aliás, aprendi muita coisa com os filmes de Hollywood da época. Eu amava, ficava sonhando com as divas. As pessoas riam de mim. Diziam: “Acorda, não tem atriz preta.” Preta não podia sonhar. Na época, era ofensa falar negra. Diziam preta ou escurinha.

Um dia vi na Revista Rio, que o doutor Roberto (Marinho) publicava, as fotos de atores negros que estavam ensaiando uma peça na União dos Estudantes. Peguei o bonde e fui lá. Me deixaram fazer o teste e passei. Estreamos no Municipal. Naquele tempo não tinha negro nem na plateia do Municipal. Fiz um papel pequenininho, uma velhinha que atravessava o palco. O texto era maravilhoso, do Eugene O’Neill, O Imperador Jones. Não lembro o que eu senti, estava anestesiada.

Depois, ganhei uma bolsa de estudos da Fundação Rockefeller e fui estudar nos Estados Unidos, na Academia Nacional do Teatro Americano e também na Universidade de Harvard. Imagina que eu nunca tinha ido além do Centro do Rio. Na volta, meu amigo Jorge Amado me arrumou um papel no cinema. Era um tempo em que a turma de intelectuais e artistas se encontravam todo dia no Vermelhinho, um bar na Rua Araújo Porto Alegre, bem perto do Municipal. Meus amigos eram o Jorge, o Samuel Wainer, o Rubem Braga, o Vinícius.

Minha carreira decolou. Fiz muito cinema nessa época. Principalmente na Vera Cruz. Mas eu acho que eu meu melhor papel da vida foi num Caso Verdade, da Globo. Vivi a Carolina Maria de Jesus. Uma escritora favelada, que escreveu um grande clássico literário, Quarto de Despejo. Em todos os trabalhos que faço, olho e vejo os erros, nunca estou contente. Quando me vi no papel da Carolina disse para mim mesma: é isso. Eu me vi na Carolina.”

Ruth, hoje com 96 anos, em sua casa, Rio | Foto: Camilla Maia

 

 

– Veja a lista com todas as revolucionárias –

 

 

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