Revolucionárias | Zica Assis, a empresária

Ao criar um salão de beleza com serviços exclusivos para cabelos crespos, entrou para a lista das dez mulheres de negócios mais poderosas do Brasil

30.10.2017  |  Por: Karla Monteiro

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Revolucionárias | Zica Assis, a empresária

Foto: Camilla Maia

“Olhando a minha história, uma mulher negra, de comunidade, que passou necessidade, sinto-me uma vitoriosa. Tenho três mil colaboradores. A maioria é mulher, negra e ex-cliente do salão. O Beleza Natural faz com que as mulheres sonhem. É uma corrente da auto-estima”

Mais da metade da população brasileira –  54%, segundo o IBGE – é preta. Foi criando uma indústria para essa maioria estranhamente chamada de minoria que Heloísa Assis, a Zica, revolucionou. Em 1993, ela inaugurou seu primeiro salão de beleza, nomeado Beleza Natural, numa casinha no Catrambi, região da Tijuca, no Rio Janeiro. Vinte quatro anos depois, figura na lista das dez mulheres de negócios mais poderosas do Brasil, segundo a revista Forbes.

O diferencial foi investir no desenvolvimento de produtos e serviços exclusivos para cabelos crespos, contrariando a ditadura dos alisamentos. O Instituto Beleza Natural tem hoje 46 unidades, espalhadas por cinco estados, e atende cerca de 16 mil clientes por mês. Conta ainda com um centro de treinamento para os profissionais da casa e com uma fábrica própria, capaz de produzir 300 toneladas de produtos mensalmente, entre shampoo, condicionador, creme de pentear, máscaras, kits de tratamento. Dos três mil funcionários, 90% são mulheres negras.

Segundo a revista Época, a empresa de Zica faturou R$ 250 milhões em 2015 (número não confirmado pelo Beleza Natural), figurando entre as que mais crescem no país.


Ela por ela

“Sou de uma família muito grande, 13 filhos, pai biscateiro, mãe lavadeira. Morávamos numa casinha de terra batida, numa favela na Tijuca. Muitas vezes não tínhamos comida em casa, mas ali havia muito amor. Aprendemos a compartilhar tudo com todo mundo.

Na minha casa era lei começar a trabalhar aos 9 anos de idade. E não foi diferente comigo. Comecei como babá e fui obrigada pela minha patroa a cortar o meu cabelo black power. As pessoas associavam cabelo afro a sujeira, desleixo. Meu cabelo era imenso, meio metro para cima e meio metro para o lado. Eu amava. Ganhava concursos infantis de black power. Fiquei muito triste de cortar. Não entendia, era criança. Mas minha mãe falou: “Corta.”

Passei a adolescência inteira lavando, passando, cozinhando, cuidando de crianças. Aos 21 anos, tomei uma decisão: cortei meu cabelo muito curto para tirar todo o alisamento , foram anos alisando o cabelo. Cansei daquilo. Pensei: quero ser eu. E fui fazer um curso de cabelereira na paróquia da comunidade.

Ali eu me encontrei, amei a profissão. Só que eu não me conformava, não existia nada no mercado para cabelo crespo que não fosse alisamento. Era o começo dos anos 80. Eu queria amaciar o meu cabelo, queria ter os cachos naturais dos cabelos crespos. Foi então que consegui algumas matérias-primas, uma infinidade de saquinhos. Levei aquilo tudo para casa, separei uma bacia, uma colher de pau e comecei a testar misturas no meu próprio cabelo. Meu cabelo caía, meu marido começou a reclamar que meu cabelo estava cheio de falhas e eu convoquei o meu irmão, hoje meu sócio, para os testes. Ele chorava.

Foram dez anos testando até que cheguei numa fórmula-base. Meu estava com balanço, maciez, cachos. Como não tenho formação em química, consegui uma profissional para passar aquela fórmula para o papel e fui correr atrás da patente. Uma luta para registrar. Era empregada doméstica, tinha 30 anos e nenhum dinheiro. Nosso único patrimônio era um fusca táxi que meu marido, Jair Conde, comprou depois que se aposentou. O convenci então a vender o carro, convidei meu irmão, Rogério Assis, para sociedade, e ele trouxe uma amiga, Leila Velez, que tinha algumas economias.

 

Abrimos o primeiro salão em 1993, com R$ 4.200 de capital. Funcionava numa casinha de dois cômodos, o tanque era do lado de fora para lavar os cabelos. E a partir daí começou a loucura. No boca a boca, começaram a aparecer clientes de todos os cantos do Rio de Janeiro. Cinco horas da manhã já tinha fila na porta, minha sócia distribuía senhas. Aquelas mulheres eram da nossa classe social, nós sabíamos o que elas queriam, o que elas sentiam na pele.

Olhando a minha história, uma mulher negra, de comunidade, que passou necessidade, sinto-me uma vitoriosa. Tenho três mil colaboradores e 5% só de homens. A maioria é mulher, negra, e ex-cliente do salão. O Beleza Natural faz com que as mulheres sonhem. Nossa missão é levantar a auto-estima delas. Tudo aqui é verdadeiro. É uma corrente da auto-estima.”

 

– Veja a lista com todas as revolucionárias –

 

 

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