8 perguntas e 8 respostas sobre o sono e como melhorar a qualidade dele
Uma entrevista com Helena Hachul, médica responsável pelo Setor Sono na Mulher do Departamento de Ginecologia da USP
19.08.2020 | Por: Fernanda D’Angelo
Desde que o isolamento social começou, tenho escutado de alguns amigos que não conseguem dormir direito. No meu caso, apesar de eu ter um histórico com o sono tranquilo (sou do time que se encostou, dormiu), tenho tido dificuldades em alguns momentos para dormir. Quando me observo, isso acontece mais quando fico nas telas (celular, TV e computador) até mais tarde ou quando a confusão dos hormônios da TPM resolvem bater à minha porta.
Uma pesquisa feita com 780 brasileiros pela The Bakery, empresa global de inovação corporativa, mostra que 44% dos entrevistados estão com mais dificuldades de dormir na pandemia. Não é para menos, o medo e a ansiedade associados à mudança de rotina repentina formam o combo causador de insônia.
E como lidar com esse mal que pode acabar com nosso humor, atrapalhar a produtividade e aflorar ainda mais os sentimentos de angústia? Conversei com a Dra. Helena Hachul, médica responsável pelo Setor Sono na Mulher do Departamento de Ginecologia da Universidade Federal de São Paulo (USP) e que atua no Instituto do Sono. Quem sabe a nossa conversa possa ajudar você a previnir episódios de insônia ou contribuir para ter de volta a qualidade do sono que te foi tirada?
1- Ansiedade e medo têm causado mais insônia nas pessoas. Quais são as recomendações para que as pessoas melhorem a qualidade do sono?
Manter uma rotina de dia com horários definidos para acordar, dormir, se alimentar, fazer exercícios, trabalhar, descansar e desligar TV, computadores etc.
2- Existe um tratamento alternativo que possa se fazer em casa para trabalhar essa questão?
Os exercícios físicos são de fundamental importância tanto para a qualidade de vida como para a qualidade de sono. Procurar momentos de lazer mesmo na rotina de casa: ler livros, assistir a filmes, estar em família também ajudam. Outras sugestões são técnicas de relaxamento como meditação e ioga.
3- Quais os impactos de uma noite ou várias mal dormidas?
Em geral, as pessoas dormem cerca de seis a oito horas por noite. Existem variações da normalidade. Os pequenos dormidores dormem cerca de mais ou menos cinco horas e ainda assim estão dispostos para as atividades do dia seguinte, enquanto os grandes dormidores precisam de 11 horas para estar bem no dia seguinte. Dormir menos que quatro horas e mais que 11 parece estar associado a problemas de aumento de risco cardiovascular e diminuição de longevidade. Pelo fato de o sono restaurar tanto a parte física quanto mental, se dormirmos mal, no dia seguinte teremos irritabilidade, déficit de memória, atenção e até diminuição de imunidade. Há mais chance de pegar infecções. Além disso, não havendo restauração física adequada, a pessoa passa a ter cansaço físico e sente-se indisposta para suas atividades habituais. Isso reflete na aparência. A falta de sono adequado também pode acarretar ganho de peso e alterações na pele. Ainda sobre sono e emagrecimento: durante o sono perdemos peso. Assim, o sono fragmentado favorece o ganho de peso.
4- A qualidade do sono impacta na imunidade?
O sono restaura o corpo e a mente. A insônia ou privação de sono está diretamente relacionada ao aumento de cortisol, e isso faz diminuir substâncias como as citocinas, relacionadas à defesa. Por isso dormir mal está associado a diminuição de imunidade.
5- No caso das mães, que estão sobrecarregadas e que muitas vezes vão dormir tarde e acordam muito cedo para dar conta da rotina, o que a senhora recomenda?
A mulher hoje vive cronicamente em privação de sono por não ter tempo para dormir. A dupla jornada, às vezes tripla (casa, trabalho e estudo), toma todo o seu tempo. Então, quando a mulher vai se deitar para dormir, vêm as preocupações que lhe roubam o sono: daí a insônia. Na realidade, a mulher sofre a somatória de efeitos da oscilação hormonal ao longo do ciclo menstrual somada à demanda exigente da dupla ou até tripla jornada de trabalho. Como resultado, vive uma sobreposição de privação de sono e insônia, pois no pouco tempo que lhe “sobra para dormir” não consegue pegar no sono. Essa é uma característica da condição biopsicossocial da mulher moderna. Para melhorar isso, é muito importante que haja uma divisão de tarefas na casa e seguir as recomendações escritas nas questões 1 e 7.
6- Para as grávidas, qual a importância de uma noite bem dormida?
O desgaste da concepção e da formação do bebê são grandes, por isso, toda grávida necessita mais de sono do que a população em geral. Se tiver vontade de dormir mais, fica mais um pouquinho na cama. A indicação é incluir um cochilo de uma hora no meio do dia e não passar muito disso para não interferir na qualidade do sono noturno. Nem toda grávida consegue, por conta do trabalho. Nesse caso, a recomendação é arranjar um lugar para ficar com os pés para cima a fim de evitar o inchaço e relaxar um pouco. A melhor posição é a virada do lado esquerdo, porque assim fica mais fácil a oxigenação da veia cava e, de preferência, colocar um travesseiro entre as pernas. É claro que a mulher não consegue manter a posição a noite inteira, mas, ao acordar, volte para a posição. Aquelas mulheres que engordaram muito, cerca de 20 quilos, têm muita dificuldade em encontrar uma posição confortável. A dica é recorrer a travesseiros e ir se ajeitando. Há casos em que a mulher só consegue dormir praticamente sentada no finalzinho da gestação.
7- Quais são os hábitos que a senhora recomenda para ter uma rotina de sono saudável?
Algumas dicas de higiene do sono podem ser úteis, como procurar dormir sempre no mesmo horário dentro de uma rotina, não ficar “tentando” dormir, pois isso é ansiogênico, evitar refeições fartas à noite, bem como não assistir à TV na cama. O quarto deve ser um ambiente escuro, com boa temperatura e silencioso.
8- Na pandemia, o que tem contribuído para a insônia e por quê?
A falta de rotina e o medo são os principais itens que têm contribuído para o aumento da insônia. A falta de rotina por “dessincronizar com o dia”. Precisamos acordar e receber a luz do dia e, à noite, com a diminuição da luz, liberamos a nossa melatonina, que é o hormônio do sono. As pessoas, ficando mais em casa, não têm horário para acordar nem para dormir. Acabam, ao contrário, dormindo mais no período da manhã e, de noite, ficam vendo TV ou usando celulares, tablets etc., o que prejudica o ritmo de sono.
Fernanda D’Angelo é jornalista que atuou por 12 anos com revistas impressas dentro dos segmentos de arquitetura, decoração, design e lifestyle, e hoje produz conteúdo digital. É criadora do blog www.madreafina.com (@madreafina), espaço para falar das dores e das alegrias da mulher (e da maternidade) de forma acolhedora
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