À flor da pele

O que é – e o que sente – uma Pessoa Altamente Sensível

25.01.2021  |  Por: Pureza Fleming

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À flor da pele

Passei uma vida inteira a sentir-me uma “flor de estufa” – e uma outra vida inteira a ser chamada de “flor de estufa”. Chorar, para mim, é desporto. É fácil. O choro, simplesmente, acontece-me. Mas este choro fácil não aparece apenas quando a tristeza me assoberba, nem quando a alegria surge em demasia e, então, não pode mais ser contida. Sou das tais pessoas que “chora por tudo e por nada”. E tal inclui: filmes, músicas, um momento na natureza bonito demais, uma imagem, o sorriso de alguém que me emociona, o desabafo de uma amiga que pede um ombro amigo – e então eu dou o ombro, mas também as lágrimas solidárias de quem está, realmente, a sentir a sua dor (a chamada empatia) –, até aquele casal de velhinhos fofo demais apela aos meus sentimentos de uma forma, digamos que pouco usual.

Durante anos considerei-me “esquisita”, mas não apenas por achar que “sentia demais”. Viver no meu corpo e mais ainda na minha mente sempre se assemelhou a um desafio. A facilidade que sempre tive em absorver quilos de informação, de imediatamente a registar e de saber exatamente o que fazer com ela, veio sempre acompanhada de um misto de sensações: é fabuloso porque, efetivamente, me trouxe alguns louros na minha profissão, enquanto jornalista e escritora, além da óbvia e pulsante criatividade; por outro lado, chega a ser cansativo, extenuante diria até, viver-se numa mente que funciona num estado constante de superestimulação.

Outra característica que me define (e que me fazia questionar, over and over, acerca da minha “normalidade”) prende-se com o convívio humano. Sou do signo gêmeos, o signo da comunicação, por excelência, o signo que melhor se adapta aos ambientes e que é mestre em sociabilizar. Porém, ainda que sinta ter todas essas características em mim – e assim a vida me tem demonstrado – sempre senti que, depois de eventos (fossem eles da dimensão que fossem) ou de simples convívios, o meu corpo e mais ainda a minha mente gritavam por solidão. Então, passei a ser aquela pessoa que, volta e meia, “desaparece do mapa”.  Além disso, o ruído é algo que me incomoda – muito. Mas mesmo muito, chegando a fazer-me doer a alma. E não suporto violência: ver, ouvi-la, testemunhá-la.

Todas estas características (entre outras) me fizeram crescer muito bem acompanhada das seguintes afirmações/questões: eu não sou “normal”, “o que é que se passa comigo?”, ou ainda “serei daqui?”. De terapia em terapia, fui-me apercebendo de muita coisa, menos que eu era uma Pessoa Altamente Sensível. Até ao dia em que, de pesquisa em pesquisa, tomei conhecimento do termo Pessoas Altamente Sensíveis. E, então, senti-me, at last, integrada. “As PAS, cuja sigla foi cunhada por um casal de psicólogos americanos nos anos 90, representam cerca de 20% da população e, frequentemente, sentem coisas que os outros ignoram, tais como cheiros fortes, luzes brilhantes e a aglomeração de multidões. Até a presença de estranhos nas proximidades pode causar considerável distração”, esclarece Cristina Sousa Ferreira, psicóloga da Oficina da Psicologia. E mantém: “Esta característica pode ser uma enorme vantagem mas, até que aprenda a dominar o seu sistema nervoso sensível, uma PAS pode estar a funcionar num estado constante de superestimulação. Para uma PAS, o mais importante é aprender a gerir a sensibilidade aumentada para todos os estímulos físicos e emocionais.”

Sensibilidade e bom senso

Uma em cada cinco pessoas nasce com sensibilidade elevada. Sensibilidade, sofrimento, vulnerabilidade e fraqueza estão, muitas vezes, emparelhados nas nossas mentes e condicionam o nosso olhar sobre nós próprios e os outros. No livro Psychotherapy and the Highly Sensitive Person, Elaine Aron, psicóloga clínica de renome internacional, formada e doutorada na Universidade da Califórnia (e ela própria uma PAS), redefine o termo “altamente sensível” e esclarece os equívocos comuns sobre a relação entre a sensibilidade e outros traços de personalidade, como a introversão e a timidez. “Embora a hipersensibilidade esteja longe de ser uma falha – a maioria destas pessoas é criativa e intuitiva – esta pode atormentar a vida de uma Pessoa Altamente Sensível. A hipersensibilidade leva a uma estimulação excessiva que pode provocar cansaço, exaustão e emoções avassaladoras (…) Este traço deve ser distinguido de diagnósticos clínicos, tais como perturbações de pânico ou personalidade Evitante ou Borderline, e entender como a sensibilidade pode alterar a apresentação de um problema como a depressão ou a timidez”, avança Cristina Sousa Ferreira.

Um estudo da Brain &  Behavior Research Foundation, publicado em 2014 – em que Elaine Aron foi uma das autoras – mostrou que pessoas com este perfil tinham uma activação aumentada nas regiões cerebrais ligadas à consciência, empatia e integração da informação sensorial. A receptividade acrescida face aos estímulos leva estas pessoas a proteger-se, a serem mais ponderadas e sensatas. Os estudos que se seguiram comprovaram que este traço de personalidade com uma base biológica – possivelmente associada a factores genéticos, mas não só – confere um sentido estético e uma riqueza interior apreciáveis.

Contudo, tal pode revelar-se um transtorno também. As PAS são mais vulneráveis ao estresse – sobressaltam-se facilmente, têm dificuldade em estar com muita gente e manter conversas superficiais, o que as aproxima dos introvertidos – e propensas a problemas de saúde. As PAS são uma minoria mal compreendida e, muitas vezes, nem sequer se entendem a si mesmas, procurando, muitas vezes, uma explicação para o porquê de parecerem tão diferentes. Uma razão importante para tantas pessoas altamente sensíveis procurarem terapia é acreditarem que têm um distúrbio, mesmo que não tenham: “Num processo terapêutico é preciso dar atenção especial às questões de auto-estima e ajudar as pessoas a separar os efeitos de seu temperamento inato, dos problemas decorrentes das suas histórias pessoais de aprendizagem para aprenderem as vantagens desse traço e como lidar com o que pode se tornar uma desvantagem. Esquecido ou mal compreendido por muitos profissionais as pesquisas sobre a normalidade e os benefícios deste traço ainda não são bem conhecidas”, arremata aquela psicóloga. Acrescenta ainda que “pessoas que cresceram em bons ambientes adaptam-se bem frequentemente e vivem uma vida satisfatória e equilibrada”, e alerta para a importância de um diagnóstico que distinguirá o que é uma característica, um traço de personalidade, daquilo que pode ser uma perturbação.

Desacelerar é crucial

Sendo a superestimulação uma das principais características que define uma Pessoa Altamente Sensível, o processo de desacelerar, de aprender a parar e, acima de tudo, de saber defender-se contra as constantes solicitações do mundo, é crucial. Afinal, sentir-se tudo de forma exacerbada pode ser muito bom. Mas é necessário saber how to play the game.

Há 17 anos comecei a praticar ioga e, desde então, entendi que tal prática era fundamental para mim. A ioga passou a ser o meu momento de desligar o cérebro e de apenas “estar” no momento presente, sem ter as mil e uma tabs do cérebro abertas. Outra mudança que levei a cabo na minha vida foi a de me tornar freeelancer. Entendi que trabalhar de segunda a sexta com 21 dias de férias por ano estava longe de ser propício à vida de alguém que precisa, realmente, de se desconectar. Com esta forma de vida  profissional que escolhi para mim, tornei-me (ainda mais) dona do meu cérebro: é ele que decide quando é hora de escrever e quando é hora de parar, e não um horário e muito menos um chefe.

Por fim, e esta foi uma descoberta mais recente e que foi acontecendo ao longo dos últimos anos, a certeza de que estar perto da natureza seria meio caminho andado para viver bem com a minha elevada sensibilidade. Trocar as sirenes das ambulâncias pelas ondas do mar, as buzinas dos carros pelo canto dos pássaros ou a paisagem cinzenta e poluída da cidade pelo azul do mar ou pelo verde dos morros, prometeu ser tudo de maravilhoso — senão o mais maravilhoso. Ainda que a sensibilidade continue a falar altíssimo, esta fala no sentido positivo só acrescenta, ao contrário de drenar. Em todo caso, a hipersensibilidade faz, sim, sentir a tristeza de forma altiva. Mas nessas alturas, relembro uma frase de Aristóteles que ajuda a pôr tudo em perspetiva: “Preferia ser um porco feliz ou um humano infeliz?” Fica a questão.

Quer saber se é uma PAS? Faça o teste (em inglês) aqui.

 

Pureza Fleming nasceu em Lisboa, Portugal, há 39 anos. Uma obcecada por palavras, como boa geminiana que é, tem dedicado a sua vida às mesmas. Trabalhou como copywriter em agências de publicidade tais como BBDO Portugal e McCann Erickson. É, no entanto, pelo mundo das revistas que, ao longo da última década, tem espalhado as suas palavras. Já foi editora de moda e hoje escreve essencialmente sobre questões de comportamento e de sociedade — um world que a fascina. Atualmente divide a sua vida entre Búzios, Rio de Janeiro, e Lisboa

1 Comentários

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Uma resposta para “À flor da pele”

  1. Veronica disse:

    Esse livro foi fundamental pra mim também, indicação de um conhecido depois que relatei como me sentia em alguns ambientes, ao ponto de ás vezes até desmaiar. Larguei a cidade, mudei de país, moro no meio do mato, mudei minha vida toda e tudo fez mais sentido.

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