A Humanidade está num relacionamento sério com os robôs. E agora?

As máquinas podem aprender a sentir? E nós, o que sentimos ao nos relacionarmos com cada vez mais máquinas? Ainda bem que tem gente estudando a filosofia da inteligência artificial

20.05.2019  |  Por: Natália Carvalho

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A Humanidade está num relacionamento sério com os robôs. E agora?

Vitória Cribb | Piscina

Que a inteligência artificial já está em nossas vidas, todos sabemos. Os assistentes virtuais nos salvam de sufocos clássicos, como traduções para outros idiomas e direcionamento de qual rua virar com o carro, quando estamos prestes a nos perder. Eles estão entre nós mas não dá pra dizer que são da família.

Explico: até então, os bots não tinham assumido uma forma, estavam escondidos em nossos devices, o que criava algum distanciamento. Digamos que facilitavam o nosso convívio em sociedade. Só que isso está começando a mudar. O que era apenas uma tecnologia sem forma está se tornando tangível – o que muda tudo. Não para as máquinas, que afinal, são máquinas, mas essencialmente pra nós, humanos que precisamos lidar com elas.

Foi sobre isso que a polonesa Aleksandra Przegalinska falou em sua palestra (arrebatadora) no SXSW 2019. Ela é PhD em filosofia da inteligência artificial – prestem atenção neste crédito, ele já diz muito sobre nosso futuro. O que ela faz?  Dedica sua carreira a estudar a relação social e afetiva entre pessoas e robôs, além, é claro, das nossas interações com wearables e bots. E ela trouxe algumas previsões do que está acontecendo conosco neste processo de evolução da IA.

O exemplo mais famoso citado por Aleksandra é a Alexa, a assistente da Amazon que é um sucesso de vendas dos EUA. Uma espécie de pod que realiza tarefas a partir de comandos de voz, ela é capaz de executar até 33 mil tarefas, desde contas matemáticas até acender a luz e ligar um eletrodoméstico em casa. Alexa é uma bot criada para se comunicar com cada vez mais objetos eletrônicos e “facilitar” os nossos afazeres. Com aspas porque, como aprendi com Aleksandra, nada é de graça.

Na real, essa relação com os robôs e máquinas interfere no mundo que vivemos, interfere em nós. Uma das perguntas pertinentes que Aleksandra fez é a seguinte: será que podemos estabelecer relacionamentos abusivos com os robôs? E eles, são capazes de registrar, se desenvolver e evoluir a partir de experiências de convívio conosco? Será que aprendem emoções?

Antes que pudéssemos ficar apavorados, Aleksandra respondeu que o mais provável é que eles não sintam as emoções. Mas o fato de poder emular reações a partir do que observam de nós cria desafios. As robôs com que ela vem trabalhando no MIT, por exemplo, já têm rostos e formas físicas, e são capazes de copiar nossas expressões faciais. E como boas máquinas que são, aprenderam os gatilhos adequados para expressar cada emoção, como raiva, medo ou alegria, estabelecendo diálogos sobre sentimentos. Não é incrível e assustador ao mesmo tempo?

Como lidaremos quando, talvez, em um futuro próximo, um robô estiver sentado na carona do nosso carro automático, como um cônjuge?

É por isso que um dos pontos fundamentais colocados por Aleksandra é que o “fazer máquinas” deve ter como premissa elencar valores essenciais, como ensinar sobre transparência e integridade.

A próxima tendência seria criar robôs e assistentes que saibam identificar não só a fala, mas também o tom de voz, assim como gestos. Para tudo isso, é preciso seguir padrões éticos – não só subjugados aos pedidos do seu “humano proprietário”.

Para explicar melhor essa parte, Aleksandra deu o exemplo da própria filha de 5 anos, que foi proibida pela mãe de interagir com a Alexa. O motivo é que a menina começou a replicar o relacionamento “mandão” que mantinha com a robô com seus colegas de classe e professores. (Olha aí as máquinas nos moldando!). “Alexa, desligue a luz” se tornou “John, pegue a borracha”. Para não tirarmos o pior de nós (em vez de criar facilitadores) há muito o que cuidar no sistema cognitivo das máquinas. Do contrário, seu perfil benevolente pode nos transformar em humanos super mimados!

Na mão inversa, ela colocou a pergunta que todos fazemos: robôs serão mais humanizados? Por que muitos querem que eles sejam mais parecidos conosco?  

Aleksandra apontou uma pesquisa recente com estudantes da faculdade de Kosminski, em que a maior parte dos jovens reagiu melhor nas conversas com bots que não têm rostos. Aliás, parte dos alunos foi até mais cruel na interação com a versão que continha rosto. Perguntas como “você sabia que não tem mãe?” surgiram nesse modelo-teste, mostrando que a face exposta gera uma falta de compreensão sobre o que significa ser robô. Não à toa, nas avaliações, o bot sem rosto foi classificado como “mais competente”, muito embora a única diferença de desenvolvimento fosse ter esse rosto.

Pois é, a tecnologia está se desenvolvendo de forma muito acelerada e a verdade é que que nosso entendimento desse universo parece não acompanhar a evolução das máquinas em si. No mínimo subestimamos o efeito de alguns robozinhos em nossa rotina. Por enquanto, um robô solícito interagindo em uma loja de  shopping já nos impressiona bastante – mas como lidaremos quando, talvez, em um futuro próximo, um deles estiver sentado na carona do nosso carro automático, como um cônjuge?

Apesar do frio na barriga, fico confortável de pensar que Aleksandra Przegalinska esteja debruçada sobre o tema e que, mais do que respostas, nos ajude a seguir exercitando as perguntas 🙂

 

Natália Carvalho é coordenadora de projetos de social content e novos formatos da Conspiração

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