A liberdade do freelancer versus a estabilidade do emprego fixo

Em sua coluna de despedida, Gaía Passarelli fala do que é ser uma mulher 40+ no mercado de trabalho hoje

18.09.2019  |  Por: Gaia Passarelli

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A liberdade do freelancer versus a estabilidade do emprego fixo

Essa é minha última coluna na Hysteria. O motivo é bem simples: tô trabalhando em outro lugar e por questões de contrato não posso mais escrever para fora. Parece estranho, visto que só uma parte pequena do meu trabalho por lá é realmente escrever e de toda forma o assunto de lá não passa pelo assunto daqui, mas as coisas são como são e tô levando numa boa, em tempos recentes desenvolvi um afeto bem profundo por esse termo, o trabalho. O que me leva ao tema deste derradeiro texto.

Como muita gente da minha geração, sempre tive uma relação meio utópica com o trabalho. A ideia de “você é o que você faz” junto do “você precisa ser feliz trabalhando”, que substituiu o padrão baby boomer de carreira-casa-família, trouxe alguma realização, sim. Mas trouxe muita insegurança também. Insegurança, aliás, é a palavra de quem tá vivo hoje.

Fácil ver de fora e falar que eu ou qualquer outra pessoa que você não conhece direito é bem sucedida por ter alguns feitos. Fácil pensar que essa pessoa não deveria sentir insegurança. Fácil também ter certa inveja e, porque não, cobiça pelo que o/a outro/a tem. Mas em tempos de tanta idealização espelhada na tela do celular, é facílimo não ver o que acontece de verdade do lado de lá. Ainda mais quando se trata de atividades pouco glamurosas tipo mandar CV e fazer entrevista de emprego.

O perrengue, ele é real. E pra quem não nasceu com colher de ouro na boca,  é inescapável.

Mas não é ruim. Passei meus últimos seis meses reaprendendo a trabalhar em equipe, em escritório, com reuniões, atas, relatórios, fofocas e happy hours regados a cerveja de garrafa e espetinho de boteco. Isso depois de anos trabalhando de casa, sozinha, nessa coisa de ser escritora. E percebi o quando me fazia falta conviver com pessoas numa base diária. Reaprender a trabalhar tem muito de reaprender a estar com gente todos os dias, o dia todo.

É preciso desenvolver sempre a capacidade de mudar

Também foi necessário reaprender a acordar cedo, a cumprir compromissos com horários, entregas e expectativas. Fazer isso aos 42 anos foi (tem sido) mais desafiador e também mais prazeroso do que eu imaginava. Ajuda muito o fato de que a empresa onde trabalho emprega uma porção de gente animada, criativa e talentosa, além de me oferecer oportunidade de crescimento.

Essa oportunidade de crescer é uma coisa que a minha geração continua perseguindo mesmo depois de adulta. A gente quer, eu quero a chance de continuar crescendo. Meus avós nessa idade estavam em casa cercados de filhos e numa situação de estabilidade da qual sinto alguma inveja. Meus pais, a geração que foi jovem nos anos 1970 no Brasil, quebrou isso e sinto que fiquei num meio do caminho entre os dois. Eu quero a liberdade conquistada, mas também quero a estabilidade que minha saúde mental requer. Só que hoje a minha geração compete com gente que tem 20 anos a menos e que tá chegando no mercado de trabalho com fogo no rabo e sangue nos “óio”.

E neste contexto, onde fica quem é 40+?

Fica na posição de olhar pra trás e reorganizar a vida. Fica sabendo que aprendeu muito e que é capaz. O que você fez até aqui precisa valer alguma coisa, mas você também precisa estar disposta a aprender outras coisas com outras pessoas, inclusive (e talvez principalmente) com quem é mais jovem que você.

É preciso desenvolver sempre a capacidade de mudar. Nossa geração é uma que viveu com telefone de fio enroladinho e com celular chinês que tira foto de cratera da Lua. Isso precisa valer alguma coisa. Isso precisa valer muito. Porque se eu pudesse escolher uma palavra pra descrever a minha geração, que foi criança nos anos 1980, adolescente nos 1990, jovem nos 00, adulto nos 2010 e se prepara para amadurecer nessa economia e situação do mundo, essa palavra seria desesperança. Mas hoje tô achando que a gente pode trocar por resiliência.

Vamos?

 

Gaía Passarelli é jornalista e escritora, autora de Mas Você Vai Sozinha? (Globo Livros, 2016). Nascida e criada em São Paulo, mora num prédio velho da Bela Vista com o filho, três gatos e uma crescente coleção de guias de viagem. Você a encontra no twitter @gaiapassarelli e no site gaiapassarelli.com

2 Comentários

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2 respostas para “A liberdade do freelancer versus a estabilidade do emprego fixo”

  1. Ana Solt disse:

    Nossa, super me identifiquei… Apesar de estar fazendo o caminho inverso: saí de um emprego fixo – resolvi mudar de carreira, pois já não funcionava mais pra mim ser designer gráfico – e tô me vendo mergulhada no trabalho de freelancer, pois não consigo outro emprego fixo como analista de marketing digital… Daí a gente se vira como pode. Tenho 42 e arquei com o risco dessa minha transição, e não me arrependo não. Sempre mudando, sempre em frente. Resiliência realmente é uma boa palavra para nossa geração. Tamojuntas!

  2. Tatiana Duffrayer disse:

    MUito bom, reflete perfeitamente o que alguém da nossa geração sente.

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