A militância poética (e o tarô feminista!) de Elisa Riemer
Criadora do primeiro jogo de cartas com arquétipos femininos do Brasil, a artista paranaense utiliza a colagem para despertar outras mulheres
06.05.2019 | Por: Marina Suassuna
Colagem de Elisa Riemer
O conhecimento do corpo feminino como fonte inesgotável de potência criativa é sempre o norte do trabalho de Elisa Riemer. Isso resulta numa relação cada vez mais profunda e intuitiva com suas criações, que se manifestam sempre em forma de montagens, trabalhos de colagens e fotomontagens em diferentes contextos: pôsteres, ilustrações para capas de livros e discos, artes criadas para festivais, marchas e colóquios e até vídeos de animação – com destaque para o clipe Que Estrago, de Letrux.
Mas é nas suas coleções temáticas que a artista gráfica natural de Maringá expõe todo o seu arcabouço interior, explorando toda a sensibilidade de adentrar o próprio universo. “Cada obra é um riacho de alívio, sou eu, sem medo de ruir, escorrendo em mil tons, correndo como a água em direção a mim mesma”, define.
Ao mesmo tempo que utiliza a colagem para se expressar, Elisa se apropria da técnica para incentivar outras mulheres a se conhecerem e tomarem consciência de seu poder, o que faz de seu trabalho um instrumento de militância poética, já que perpassa a própria vivência da autora com o sagrado feminino, a natureza, astrologia e espiritualidade.
“O meu objetivo é cada vez mais despertar as mulheres para seus corpos e suas sensações, colocá-las em contato com sua verdade, com seus sentimentos mais íntimos, seus desejos mais inexplorados”, defende ela, que idealizou o primeiro tarô feminista brasileiro.
Batizado de Nosotras Tarot, o trabalho é um marco importante na carreira e na jornada pessoal da artista, que concebeu o baralho junto com sua companheira, Paula Mariá. Além de ser o primeiro deck idealizado e criado por duas mulheres no Brasil, o Nosotras faz uma releitura das cartas tradicionais em arquétipos femininos, expressando toda a devoção de Elisa à arte do tarô e à origem do mundo: as mulheres.
Veja na entrevista abaixo o que ela fala sobre o seu propósito criativo, inspirações e busca pessoal.

A tradicional carta do Sacerdote virou a Sacerdotisa no Nosotras Tarot
Em que momento você despertou para a arte?
Eu desenho desde criança, sempre tive dificuldades com palavras. E foi assim que eu me reconheci no mundo: pintando, rabiscando. E posso dizer que foi mais ou menos em 2013 que descobri que podia falar sobre mim mesma e deixar tudo fluir naturalmente, sem forçar. Sou do mundo da fantasia, o que é irreal sempre me representa mais do que o que é dito às claras.
Quando você diz que cada obra é um “riacho de alívio”, isso passa a sensação de que seu processo de criação é muito instintivo.
Minhas coleções foram concebidas muito na intuição. Para algumas chorei muito, para outras bebi muito e, quando vi, já estava pronta. Olha que doideira! Mas vivi intensamente cada uma delas. São como um diário de imagens das minhas emoções, o que eu pude aprender, como as dores me arrebataram. Tem coisas ali que demonstram cada pedacinho de como sou por dentro, peças que demorei três anos pra mostrar, outras estão prontas há quatro anos e nunca mostrei. Porque a gente fica exposta, com os sentimentos todos nus para as pessoas poderem ver.
A colagem tem sido o principal foco do teu trabalho. De que forma essa técnica contribui pra seu modo de expressão?
Acho maravilhosa a ideia de pegar algo que já existe, que já está construído, e dar um outro sentido, uma outra vida. Sabe esse desconstruir? Geralmente é como a gente tem que fazer o resto da nossa vida. Construir algo material, construir conceitos, e de repente tudo tem que ser desconstruído conforme vamos vivendo – tem coisas que caem e tem coisas que ficam. Imagina refazer a história de um cartão-postal que já estava esquecido há mais de 50 anos e, pra isso, pensar: quem eram aquelas mulheres? Não sei, mas agora são outra coisa.
Como gostaria que o seu trabalho fosse compreendido?
Eu trabalho muito com a coisa do corpo, para mim ele é uma imensa geografia a ser explorada. E tudo –política, espiritualidade, astrologia – são questões externas que alteram a forma de lidarmos com esse corpo. O meu objetivo é cada vez mais despertar as mulheres para seus corpos e suas sensações, colocá-las em contato com sua verdade, com seus sentimentos mais íntimos, seus desejos mais inexplorados.

A artista Elisa Riemer, criadora do Tarot feminista
O que você absorveu da experiência com o Nosostras Tarot?
Esse projeto foi uma vivência bem particular. Descobrindo o Tarô e cada uma das suas cartas, fui descobrindo também minha relação com meu inconsciente e com minha intuição, algo que acho que perpassa todas as mulheres, algo que mora dentro de nós. Fazendo esse baralho aprendi a valorizar essa intuição e a perder um pouco o controle, aprendi que meu racional não pode mandar em tudo, que eu não posso intervir na linha do tempo à minha própria forma, que preciso confiar e entregar. Dessa forma, tudo vem vindo na hora certa e finalmente caminhei em direção à concretização, a um fechamento. Essa foi uma das primeiras experiências de “missão cumprida” que já tive.
Resumindo: para que serve a arte?
Arte é resistência quando utilizada para expressar nossas vivências, nossas dores, sonhos e crenças. Sou uma mulher lésbica falando sobre o que sinto e o que acredito. Ao mesmo tempo que me expresso e me curo, estou gerando visibilidade, estou dizendo para as outras mulheres: ei, você não está sozinha, eu estou aqui, eu também sinto.
Marina Suassuna é jornalista com especialização em Estudos Cinematográficos. Atua como repórter de cultura, escrevendo para sites, revistas e publicações independentes
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