A tradição e a ancestralidade indígenas aliadas à bandeira LGBT
Coletivo Tibira cobre uma lacuna de representatividade e mostra que os indígenas também são gays, lésbica, bi, trans e que a conversa sobre o assunto precisa estar tando nas aldeias como nas cidades
17.12.2019 | Por: Equipe Hysteria
Quando falamos a palavra “índio” o que vem à mente da maioria das pessoas é aquele guerreiro seminu e de cocar, um cara ou uma cara que só fala com brancos sobre demarcação e terra. Esse estereótipo dos indígenas brasileiros paira sobre nós e não só não corresponde à realidade como prejudica todos que não se encaixam no padrão. Indígenas nascidos na cidade, por exemplo, têm suas identidades questionadas e indígenas LGBTs são escanteados – é como se não seguir o modelo heterossexual imposto pela colonização representasse uma quebra na cultura nativa.
Pois o Coletivo Tibira nasceu para dizer que existe indígena LGBT, sim. Que não são menos indígenas por isso e nem um tipo que se deixou levar pela influência da cidade.
O grupo tem representantes das etnias Terena, Tupinikim, Tuxá, Boe Bororo e Guajajara, o que engloba os estados de Mato Grosso do Sul, Mato Grosso, Espírito Santo, Bahia, Pará, São Paulo e Maranhão. E atua nas redes sociais para suprir uma lacuna de representatividade tanto para quem vive em aldeias e não tem modelos nos quais se espelhar como para os que vivem na cidade pressionado por um estereótipo em que não se encaixam.
“Nossa ideia é trabalhar o protagonismo e explorar temáticas que não são tão faladas a respeito de afeto, desejo e performance de gênero no contexto indígena. É mostrar que nós existimos”, diz Tanaíra Silva Sobrinho, de 28 anos e uma das criadoras do grupo. O Coletivo atua nas redes sociais trazendo histórias de indígenas LGBTs e criando um espaço seguro para que as pessoas se aproximem, discutam e se sintam acolhidas. “Ser mulher numa sociedade patriarcal, ter o recorte da raça que marca fortemente meu corpo e ainda ser uma dissidente sexual é complexo. Foi um processo refletir sobre o que eu sou e como iria contribuir para a sociedade”, completa a jovem.
O Coletivo atua nas duas frentes, tanto dentro das aldeias como na cidade. E em cada lugar tem uma função diferente. “Algumas etnias assumiram narrativas opressoras e discriminatórias com os LGBTs da comunidade. Daí a importância de um espaço segmentado que busca dar visibilidade e informar sobre o assunto”, diz Neimar Leandro Marido Kiga, de 23 anos e outro idealizador do Coletivo. Já na cidade, a pauta do grupo visa quebrar o estereótipo do indígena em que pautas como questões sexuais não se encaixam. “Sempre existiram LGBTs indígenas e temos até muitos relatos de suicídio ligado à dificuldade de lidar com o assunto. Hoje, tem gente dando a cara a tapa para levantar essa discussão tão importante”, explica Neimar.
A questão do suicídio é um ponto delicado e o coletivo sabe que pode influenciar esse cenário. “Hoje temos entre os indígenas uma taxa de suicídio que é quatro vezes maior que a média nacional. Quem são os jovens que estão se suicidando? Será que estão passando por homofobia? Quando a gente se assume e cria esse espaço, serve de exemplo até para as pessoas se defenderem”, diz Kátia Sabino Rodrigues, a Katú, de 33 anos.
Mostrar para os indígenas a gente existe é fundamental para que ninguém se sinta desencaixado
Mas por que Tiriba? O nome é bem emblemático e traz o contexto histórico. Tibira foi a primeira vítima de homofobia documentada no Brasil. O Tupinambá foi assassinado em 1600 a mando dos missionários franceses que determinaram sua prisão, tortura e execução na boca de um canhão. O crime? Ser homossexual.
Para essa turma é muito importante se sentir respeitado tanto nas comunidades nativas como na cidade onde estudam e trabalham. A maioria dos integrantes do grupo se formou na faculdade e hoje faz pós-graduação. Todos levam consigo a ancestralidade e as tradições de seus povos e também todo o conhecimento que adquiriram nos estudos que os permite amplificar a voz dos aldeados. “Os indígenas que vivem no contexto urbano são atravessados por uma lógica não indígena, somos transpassados por racismo e desqualificação, isso gera uma enorme dificuldade de se inserir”, explica Tanaíra sobre a importância do acolhimento. “Um dos objetivos do nosso projeto é tornar mais visível a questão da sexualidade no contexto indígena. Porque a falta de representatividade faz a gente se sentir estranho e errado. Mostrar para os indígenas a gente existe é fundamental para que ninguém se sinta desencaixado”, completa Danilo Ferreira Alexandre, de 19 anos.
Ele conta como chegou até aqui: “Meu entendimento de sexualidade veio quando cheguei na universidade. Claro que antes disso o conflito estava em mim, mas dentro da comunidade não tinha nenhuma representatividade, não sabia como lidar. Hoje sou muito firme. Ter acesso à informação e participar de debates foi fundamental para entender o que eu sou.”
Como o trabalho do grupo é afirmar a existência de LGBTs indígenas e normalizar a questão, quanto mais amplificado for o discurso, melhor. “A gente quer atingir todo mundo. Tanto os indígena como os não indígenas, os brasileiros e também a América Latina toda. Quando eu digo que sou pansexual assusta quem é da aldeia e quem é da cidade, e por isso é fundamental falar com todos”, conta Katú.
É para que cada vez menos gente se assuste com o assunto que a Converse resolveu contar essa história. Funcionando como uma plataforma de expressão, a marca quer inspirar os jovens amplificando a voz de três coletivos, cada um com um propósito diferente. Coletivo Tibira, Rimadores do Vagão e Alma Preta mostram que juntos somos mais fortes e vamos mais longe.
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