A vida sexual na pandemia
Se para muitos a fantasia recorrente de fim do mundo tem a ver com sentir o máximo de prazer possível antes de que tudo acabe, parece que a atual realidade pseudo-apocalíptica está bem longe disso. Como vai a libido em tempos de confinamento?
27.05.2020 | Por: Carolina De Marchi
A pandemia está impactando a vida sexual de todo mundo. Os solteiros não podem conhecer gente nova, nem ativar aquele contatinho para um sexo casual. Já quem está confinado com um parceiro/a e, em teoria, poderia transar a hora que quisesse, alega que a rotina da quarentena não é lá muito excitante, bem pelo contrário: há mais tédio e tensão do que tesão. Uma coisa é certa: o isolamento tem deixando muita gente subindo pelas paredes. Não só. Infelizmente, houve um aumento de 50% de casos de violência doméstica só no Rio de Janeiro.
Em uma era hiper-estimulante de avalanche de informações e instabilidade econômica, muitas pessoas lidam com os pesos da vida por meio da descarga sexual. Não é surpreendente, então, que a venda de sex toys tenha disparado. E olha só que lindo: a masturbação foi oficialmente recomendada pelas autoridades de saúde de Nova York e pelo Ministério da Saúde da Argentina. “São iniciativas maravilhosas, sexualidade também é saúde pública. Dá um pouco de desespero de ver que estamos tão longe disso no Brasil”, comenta Clariana Leal, educadora sexual e sócia-criadora da sexshop online Climaxxx. Segundo ela, as vendas seguem indo muito bem, obrigada. “Tem muitas pessoas [especialmente mulheres, a maioria de seu público] fazendo perguntas sobre como começar a investigar a sexualidade, enxergar o próprio corpo de maneira mais afetuosa, mais carinhosa, se livrar de algumas amarras mentais. Esse exercício é super importante”, completa.
A falta de contato físico fez com que as relações se desenvolvessem mais nas telas. O Tinder registrou aumento de 25% de conversas, sendo que elas também se tornaram 20% mais longas. O aplicativo Match.com começou a organizar happy hours virtuais reunindo 20 a 30 pessoas e, recentemente, lançou o chat por vídeo. E foi na tentativa de diversificar mais ainda esse universo que surgiu o Love Is In The Cloud. Criado pela designer de experiências Isabella Nardini, o experimento social para solteiros é praticamente um speed dating pelo Zoom. Os participantes pré-selecionados entram na víde0-chamada com câmeras e microfones fechados e, em seguida, são direcionadas a salas privadas onde podem abrir câmera e áudio. Em cada sala, um encontro exclusivo com um desconhecido que dura cinco minutos, totalizando oito rodadas de dates.
“Pode parecer pouco tempo, mas é o suficiente para conectar com alguém de verdade (ou não), desde que se faça a pergunta certa”, diz Isabella. Aí é quando a mágica acontece: ela sugere uma pergunta a ser respondida para cada sala privada, de maneira que as pessoas não corram o risco de ficar no papinho de sempre: nome, idade, onde mora, profissão. “A intenção é criar um clima confortável em que cada um se conecte com algo gostoso dentro de si. É sobre amar e ser amado.” Uma das perguntas é, por exemplo: “Qual foi a coisa mais bonita que você já ouviu ou disse?” Ela garante que isso gera conversas bem mais interessantes. Boto fé.
Depois da chamada, todos informam à mediadora de quem gostaram ou não e, no dia seguinte, recebem a compatibilidade – descobrem seu match. “Ainda assim, muita gente pergunta o que fazer depois”, conta Isabella, que organiza os encontros apenas com amigos e amigos de amigos, pelo menos por enquanto. “Sempre achei que a gente conhece as melhores pessoas assim. A ideia é ter um certo filtro para oferecer um ambiente seguro, já que a aleatoriedade dos aplicativos nem sempre consegue promover isso.”
É importantíssimo que paremos de adiar as conversas, reinventemos rotinas e provoquemos a novidade
Juliana Cainelli, 39, produtora, que já participou de duas edições, endossa a iniciativa e diz que é bem mais efetiva do que os aplicativos. “É outra coisa ver a pessoa se mexendo na sua frente, perceber o olhar, interagir.” No entanto, ela também se pergunta qual seria o próximo passo. “Não temos o horizonte do encontro muito claro, isso às vezes é desanimador”, confessa. Ou não. Não ter a pressão do encontro físico logo em seguida pode ser libertador e provocar outras fantasias. O conselho de Isabella é dar asas à criatividade para desenvolver a paquera virtual, todo um código novo a ser descoberto. “Tenho relatos de participantes que até chegaram a conversas mais íntimas.” Para dar um empurrãozinho nesse clima de azaração freestyle, os participantes do Love is in The Cloud recebem um link para entrarem numa festinha virtual logo após o término da dinâmica. Por lá, eles têm chance de interagir um pouco mais, cada um por sua conta e risco.
Enquanto solteiros enfrentam a dificuldade de materializar seus desejos, casais encaram o desafio de manter o clima quente em casa apesar dos desgastes da convivência intensa, a louça suja, a última notícia ruim e os boletos a pagar. Para Nicole Cintra, 37, gerente de licenças de software, a quarentena atrapalhou a rotina ativa dela e da namorada, com quem mora. Ambas detestaram fazer exercícios físicos em casa e isso também influenciou sua autoestima e libido. “O lance não é ter vergonha uma da outra, pois nos amamos para além dos nossos corpos – que estão fora do dito ‘padrão de beleza’. Mas não posso negar que a falta de atividade impactou nossa saúde física e mental. Isso mexe com o desejo”, afirma. Ambas estão cuidando disso na terapia.
Para Rita*, psicóloga, se organizar direitinho todo mundo transa. Quer dizer, tudo é uma questão de investir energia para manter os horários da rotina – especialmente quando se tem crianças em casa. “A gente consegue colocar os filhos cedo na cama e ter o nosso tempo que ora é de rusgas, ora é de aproximação, de transa.” Afinal, ao mesmo tempo em que estamos todos abalados e tristes, às vezes vem um tesão repentino, não é?
Tudo indica que em tempos de distanciamento social o autoconhecimento é uma jornada natural e necessária, e a sexualidade permeia essa investigação. “Eu sempre digo que o diálogo é o melhor lubrificante que existe na vida, ele facilita tudo”, diz a educadora sexual Clariana Leal. A gente começa olhando para si, entendendo o que gosta, para então olhar para o parceiro. “Realmente conversar, com um vinho, se fazer perguntas. Por exemplo: listar várias atividades sexuais, e colocar ao lado ‘sim’, ‘não’, ‘talvez’. Para a gente entender o que faríamos, o que queremos, o que não queremos, o que se pode tentar. Pode ser muito surpreendente!”, sugere. Quando peço mais dicas para casais confinados, Clariana responde que é importantíssimo que paremos de adiar as conversas, reinventemos rotinas e provoquemos a novidade. “Existem até aplicativos, jogos e sex toys que ajudam nesse processo. Experimentar algo juntes pode ser uma aventura muito maravilhosa. É um caminho muito lindo de abertura para o prazer.”
Já o celibato forçado pode ser um pouco frustrante, mas também terapêutico, como é o caso de Roberto*, 33, publicitário. Ele estava saindo com um boy, mas a quarentena esfriou tudo. A elaboração da crise mundial acabou consumindo muito de sua energia e espaço mental. “Eu estou celibatário até digitalmente. Mas muitos amigos meus estão a mil nos webnamoros e sextings. Pelo menos não está mais acontecendo de furar a quarentena para transar, o que é ótimo”, avalia.
Está faltando conexão e estímulo em tempos de Covid-19? Fiz uma curadoria de apps, perfis de Instagram e podcasts recomendados pelas pessoas com quem conversei para você manter vida sexual temperada e saudável (com ou sem pandemia):
Apps:
Os minicontos eróticos em áudio prometem dar uma provocada no seu tesão. Também inclui guias práticos e dicas de autocuidado, além de dinâmicas para experimentar a dois/duas. Foi criado com o objetivo de incentivar mulheres para que se conectem com sua sexualidade.
Um mix de exercícios práticos, histórias reais e conteúdo de educação sexual para você aumentar seu nível de desejo e desenvolver sua performance na cama (no sofá, no chão, na mesa…). Seu lema é “felicidade horizontal” – a gente curte essa filosofia.
Quase como um aplicativo de meditação, só que mais muito mais excitante. Centrado nos princípios do mindfulness, reúne áudios com sessões, workshops, reflexões, histórias curtas e jogos sexy. Focado no público feminino.
Um conjunto de ferramentas para romper tabus, trazer conhecimento e apimentar a rotina do casal. O conteúdo unissex em áudio e vídeo abarca dicas, quiz e tutoriais transantemente educativos.
Um dos poucos disponíveis em português, esse aplicativo é bastante interativo e pode ser usado entre casais ou para começar uma conversa mais íntima com aquele crush. São cinco modos de jogos e os mais diversos desafios, desde os mais suaves até os mais quentes.
Tédio nunca mais. Kindu traz mais de mil ideias para tentar com o parceiro/a. Mesmo que o casal não embarque em certos desafios, certamente é eficiente para abrir o canal de comunicação sobre prazer.
Na mesma lógica de gamificação da vida sexual, o Desire traz até pontuação na busca de uma relação mais apimentada. Também é possível fazer convites, criar listas de desejos, registrar lembranças e dar um empurrãozinho no dirty talk.
Instagram:
@me_lambelambe
Lambes digitais com frases calientes de múltiplos autores para provocar aquele arrepio no cotidiano. Nasceu pra falar abertamente sobre sexo e naturalizar o tema, por meio de adesivos nas ruas e de posts nas redes sociais.
@caradefofa
Recados e reflexões safados são ilustrados fofamente pela brasiliense Débora Pimentel. Os posts ajudam a lidar com inseguranças e libertar tabus.
@eroticwatercolor
A paleta de cor escarlate remete a paixão, carne, calor. As aquarelas da artista Noomi Roomi são simplesmente maravilhosas e excitantes.
@ninmagazine
Imagens e textos curados por mulheres que fazem a Nin, revista impressa de arte erótica made in Brazil, publicada no Reino Unido.
@laysealmada
Pura potência no olhar sobre a nudez. As ilustrações são da paraense Layse Almada, sediada em São Paulo. Ela também faz tatoos, mas por motivos óbvios agora não está atendendo.
@petitesluxures
As ilustrações eróticas vêm sempre acompanhadas de uma sacadinha escrita. Difícil saber o que é mais chique: o traço minimalista ou os trocadilhos sexy do francês Simon Frabkart.
@alphachanneling
Utopias eróticas trarão um toque mais transcendental ao seu feed. Alpha Channeling faz com que o sexo seja mais belo, íntimo e espiritual.
Podcasts:
* Alguns nomes foram modificados para preservar a identidade dos entrevistados
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