Assim era Marielle Franco

Histórias contadas por quem conviveu com a vereadora assassinada no Rio

16.03.2018  |  Por: Equipe Hysteria

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Assim era Marielle Franco

Eliana Sousa Silva, diretora da ONG Redes da Maré

Aqui na Maré, a violência bélica já vem de muito tempo.  Certa vez, uma aluna, que cursava o pré-vestibular, foi atingida por uma bala e veio a falecer. Essa morte foi muito impactante, pois ela estudava e morava próximo à Marielle, e essa morte significou muito para ela, e impactou a trajetória dela. Aqui na Maré, lidamos com a violência no cotidiano, mas quando é alguém próximo, nos faz questionar o que podemos fazer para mudar essa situação. Marielle expressou diversas vezes para mim que foi esse momento que ela percebeu que precisava atuar para mudar essas violências que a gente vivencia. Eu me identifiquei porque aconteceu algo similar comigo – foi ao ver uma criança ser atingida que percebi que precisava trabalhar com segurança pública. É algo muito importante para quem é morador de favela: como lidar com a violência e com o fato do morador da favela não vivencia a segurança pública como direito.

 

Maria de Médicis, diretora de TV

Estou gravando na Bahia. Morta de não estar no Rio. O dia inteiro, quando fechava os olhos, lembrava da gargalhada dela… E lembrava da Mônica. Fui olhar minhas mensagens e descobri que a última vez que nos falamos foi no Boi Tolo. Uma mandando a localização para a outra. E não nos encontramos. Que raiva.

Nos vimos pela última vez na praia, num luau-surpresa que ela fez para a Mônica. Dia primeiro de fevereiro. Tudo lindo. Ela levou flores, amigos e carinho para a praia, para a mulher que ela amava. Era uma mulher forte, grande, decidida e brava, mas fazia luau-surpresa com flores para a mulher que ela amava. Mais uma vez eu me lembro da gargalhada. Filhos da puta. Calaram aquela gargalhada foda e aquele sorrisão. Calaram nada, Porque eu fecho os olhos e ouço a gargalhada. E vejo o sorrisão.

 

Flávia Oliveira, jornalista

Conheci a Marielle ja na militância, principalmente do movimento de mulheres negras, e me lembro com muito carinho do ato em que ela concedeu a Medalha Tiradentes para a (escritora) Conceição Evaristo. A Marielle conseguiu organizar uma mesa na Câmara Municipal só de mulheres negras: a Mãe Meninazinha de Oxum, eu, (a diretora da Anistia Internacional) Jurema Werneck, (a atriz) Ruth de Souza, Conceição Evaristo e ela. Foi lindo porque foi a ocupação mais ousada que aquela Câmara já viu.

 

Renata Corrêa, roteirista

O último evento de que participamos era o lançamento de um livro da Rebeca Solnit. Ela estava especialmente bem-humorada, linda, de turbante e batom azul. O livro da Rebeca era sobre silenciamento, e a autora defendia que a última estratégia para calar uma mulher era matá-la. Todas nós na mesa concordamos. Nunca imaginei que isso pudesse acontecer com ela. Mas fui ingênua. O patriarcado não perdoa as mulheres, especialmente se for uma mulher negra que ousa não se calar.

 

Gregorio Duvivier, ator, escritor e roteirista

Marielle tinha sempre um sorriso gigante no rosto. Não importava onde fosse. Dava abraços apertados e longos. Sua votação expressiva nas urnas refletia um carisma gigante que arrebatava a todos que cruzavam seu caminho. Quando foi eleita, alguma coisa muito grande mudou: a democracia representativa finalmente representava aqueles e aquelas que nunca tinham sido representados. A mulher negra e favelada finalmente poderia participar dessa festa tão exclusiva que é nossa democracia.

Ledo engano. Seu mandato durou pouco mais de um ano. Os assassinos de Marielle deixaram muito claro aquilo que ela mesma vinha gritando: nossa democracia é pra poucos, nosso parlamento não representa ninguém. Mas os assassinos também se enganam quando pensam que a morte da Marielle vai calar a boca de todos os que gritam contra os abusos. É preciso gritar ainda mais forte.

 

Nathalie Drumond, geógrafa

Desde que soube da morte da Marielle, estou sentindo uma falta de ar inexplicável. Parece mesmo que ela se foi e esvaziou o oxigênio sobre a Terra. A lembrança mais viva que tenho dela são as brincadeiras que fazíamos quando os rapazes falavam interminavelmente nas reuniões. Nos juntávamos num canto pra rir deles, de nós, das coisas poucas e pequenas da vida. Sabia que se ela estaria na reunião, pelo menos teria companhia para rir um bocado. Marielle era sinônimo de parceria.

Nunca me esqueço da primeira vez que nos falamos. Eu era recém-chegada ao Rio, em 2012, saí de uma reunião ali ao lado do Morro do Salgueiro e fui caminhando uma rua comprida e escura até encontrar uma parada de ônibus. Era tarde da noite já. Marielle parou na rua, me ofereceu carona. Marielle era sinônimo de parceria.

Meses depois nos descobriríamos companheiras de partido. E em tantos momentos Marielle foi sinônimo de parceria. Que ao longo do tempo multiplicou-se em força política pela cidade. Os cariocas reconheceram nela sua coragem, sua força e sua solidariedade. Marielle, como ela gostava de dizer “cria da Maré”, foi executada hoje por ser mulher, negra e por não se calar diante de profundas injustiças. Mas nós seguiremos sua luta!

Como dizia Milton Nascimento na música “Menino”: “Quem cala morre contigo, quem grita vive contigo.”

 

Antonia Pellegrino, roteirista e escritora

Conheci a Marielle com cabelo longo, talvez alisado, por volta de 2014. Tínhamos a mesma idade, ambas formadas nas ciências sociais da PUC-Rio.

Em 2016, quando soube que ela sairia candidata à vereança, eu a procurei. Era uma enorme alegria política que uma mulher negra, favelada, gay e da minha geração entrasse em cena.

Fui aos seus comícios domésticos, vi ela se empoderar da fala, dos cabelos crespos, do carisma. Abri minha casa pra ela. Pedi, e consegui, votos.

Não sei quanto tempo depois ela disse ao Marcelo: “Você tem que namorar uma mulher tipo Antonia Pellegrino.” Ela era a nossa madrinha. Sempre será.

Marielle Franco: mulher linda, corajosa, cheia de gás, honesta, idealista. Forte o suficiente pra ter a ousadia de ser mulher negra favelada gay militante de direitos humanos na política.

Era muito. E não deixaram ser.

Os nove tiros que mataram a Marielle me mataram um pouco também.

Descansa em paz, minha mana.

 

Jefferson Monteiro, publicitário

Eu a conheci na Lapa, nós conversamos sobre internet no processo eleitoral, ela me contou como estava se preparando para a candidatura, e eu a ajudei como eu pude. Sempre fiquei muito impressionado com a sua presença: como ela era cativante a forma dela falar, a maneira de se impor, e como isso contagiava os que estavam ao seu redor. Isso me fez imediatamente gostar dela.

Marielle tinha uma capacidade muito forte de debater os assuntos. Eu brincava que ela era a política perfeita do bem, porque ela tinha as pautas que todos nós defendemos, mas não tinha um certo academicismo que parte da esquerda tem. Marielle falava do povo, e para o povo, sempre. Nas últimas vezes que eu a vi, brincava: “Eu acho que você tinha que ser candidata a governadora do Rio de Janeiro. Você tem chances de ganhar. E, um dia, a presidente vai ser você.” Eu falava isso, não só de brincadeira, mas porque eu realmente acreditava.

Eu e meus amigos comentávamos como ela era um nome forte, que dialogava com todo mundo, perfeito para ocupar os cargos majoritários. E eu sempre, com esse meu espírito publicitário e marketeiro, dizia: “Esse é o momento!”, mas ela sempre respondia de maneira muito sóbria: “Vamos com calma: uma coisa de cada vez.”

Ela não tinha essa ambição desvairada e descabida dos políticos de hoje em dia. Ela sabia da importância dela no legislativo para, quem sabe, depois dar passos maiores. A morte dela foi muito dura porque morreu um pouco da esperança de termos uma pessoa com tanta capacidade, e que significava tanta coisa, não só simbolicamente, mas que de fato fazia a diferença, e poderia fazer muito mais, no futuro. Ela já era uma inspiração, e, a partir de agora, vai ser muito mais.

 

 

1 Comentários

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Uma resposta para “Assim era Marielle Franco”

  1. Karla Prado disse:

    Moça, obrigada por tudo! 😑

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