Autocuidado: nem luxo e nem modismo

Precisamos falar sobre o que de fato significa cuidar de si. E isso não envolve necessariamente um produto ou dinâmicas de um guru

26.07.2019  |  Por: Marcela Rodrigues

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Autocuidado: nem luxo e nem modismo

Au-to-cui-da-do. Por definição, a palavra diz respeito a um conjunto de práticas de cultivo da saúde e bem-estar. Mas vai além: é sobre autonomia, liberdade de consumo, olhar para si, fazer escolhas conscientes e descobrir sozinha as próprias válvulas de escape.

Era para ser assim, simples, fluido, acessível. Mas a indústria e a mídia descobriram o termo como fatia de mercado, os gurus de bem-estar caçadores de cliques idem e, de repente, autocuidado virou sinônimo para tudo. Está em rótulo de cosméticos, em propaganda de spa, dá nome a métodos de desenvolvimento pessoal e até já tem protagonizado justificativas para excessos de procedimentos invasivos.

De fato, uma vez que é uma prática individual, pode ser tudo mesmo. E longe de mim querer problematizar o contexto atual do autocuidado. Mas já problematizando: e a autonomia impressa no conceito? Não só a que diz respeito ao poder de escolha, mas também a da liberdade em ser, já que ainda insistem em associar autocuidado com estética.

É autoamor pra lá, self-care pra cá. Mas sem auto-responsabilidade (inclusive com o impacto ambiental e social) e liberdade de consumo, é só mais um modismo de bem-estar plastificado. Minha causa é não deixar isso acontecer.

Mais hábitos, menos produtos

Talvez esta comercialização – ou banalização mesmo – da palavra justifique o pensamento de alguns que enxergam as práticas de autocuidado como restritas a uma bolha privilegiada de quem não tem outras urgências, como colocar comida na mesa, lutar na linha de frente de movimentos sociais ou boletos atrasados para pagar.

Mas bem-estar não é luxo, muito menos futilidade. É sobre resistir sem esquecer de si. Não à toa muito se explica a ideia a partir boa e velha analogia de uma turbulência de avião: primeiro coloque a máscara de oxigênio em você.

A questão é: qual é a sua “máscara de oxigênio”? Não é a indústria quem vai te dizer, nem mesmo a mídia.

Um fato comum que percebo entre as infinitas práticas de rituais de bem-estar é que identificar qual é a melhor para si, num momento ou outro, parte da auto-observação, que, por sua vez, só é possível desacelerando.

E não há povo mais entendido nisso do que os japoneses. Durante minhas leituras obcecadas pelo tema bem-viver, conheci o conceito Ikigai. Segundos os próprios japoneses, todo mundo tem um ikigai, algo como um propósito para se manter atento e motivado, que impulsionaria todo indivíduo a cuidar da saúde, do corpo e da mente como prioridade de vida por meio de atitudes simples inseridas no cotidiano.

Em um dos livros que li nesse tema, me deparei com uma lista de “remédios anti-estresse dos japoneses”, e cujas dicas me lembraram dos meus hábitos favoritos de autocuidado: 1) Tomar um banho demorado escutando música; 2) Manter a mesa de trabalho, a casa e o quarto sempre arrumados; 3) Fazer alongamentos; 4) Manter uma alimentação balanceada; 5) Fazer massagem na cabeça, pressionando-a com as pontas dos dedos; 6) Praticar qualquer tipo de meditação.

À lista acima, eu adicionaria massagem no ventre, meus óleos essenciais, um tênis para correr quando a ansiedade bater, uma playlist para dançar sozinha em momentos de angústia. Até a recusa em responder mensagens no WhatsApp em um período do dia e um café da manhã demorado. Pronto. De quantos produtos ou terceiras pessoas eu precisei para me presentear com autoestima e calma?

Culpa e julgamento

Aqui no Ocidente, no entanto, priorizar tempo para relaxar ou investir em algo (seja produto ou serviço) para si mesma é alvo de julgamentos variados.

É uma incoerência e tanto: a sociedade tem imposto padrões estéticos e sociais na mesma proporção que impõe culpa no hábito de priorizar o bem-estar.

É como se dedicar tempo e dinheiro na estética tudo bem – faz parte dos jogos amorosos, da tática de ser promovida, de transmitir autoestima. E na carreira, em roupas. Mas ai da mulher que pede folga em um dia de TPM porque percebeu que acordar um pouco mais tarde é o seu melhor antídoto para cólicas e pronto: é frágil, apontam! Ou da mãe que, em um período de estresse, deixa os filhos com a família e parte para um final de semana com as amigas. Pagar por uma massagem? Fútil! Tudo pode ser interpretado como egoísmo.

Mas autocuidado não tem preço e se faz presente dentro do contexto de cada um. Costumo dizer que no autocuidado menos é mais.

Se na sua realidade é fazer as unhas na manicure que te nutre e faz relaxar, faça. Viajar, estar com a família ou tomar um bom café da manhã fora de casa, vá sem culpa. Por que não? A regra é só uma: ser um desejo genuíno, sem interferências externas.

Autocuidado é um investimento necessário e possível 24 horas por dia, de segunda a sexta, independentemente de classe social ou profissão; se você mora em um grande centro agitado ou num pacato sítio no interior. Porque em essência, nada mais é do que fazer escolhas conectadas com o que o próprio corpo-mente-espírito sinalizam como necessidade. E aliás, você os escuta?

 

Marcela Rodrigues é jornalista especializada em consumo consciente e bem-estar, herbalista e entusiasta do movimento slow beauty. É autora do site a Naturalíssima, onde fala de estilo de vida sustentável e práticas de autocuidado

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