‘Big Brother Brasil 20’: o ano em que os fãs saíram do armário
De confinamento para confinamento: uma sociologia de boteco sobre o atual 'BBB', seus fãs e os candidatos ao prêmio
20.03.2020 | Por: Marcella Feo
Eu sou fã de BBB. Eu sou fã de BBB desde sempre.
Antes que me julguem: eu juro que também gosto de cinema, de séries, de gente e de museus. Mas quando o BBB começa eu deixo o resto de lado e entro de cabeça dentro da “casa mais vigiada do Brasil”. Sei que não estou sozinha e por isso escrevo este texto – que talvez eu não toparia escrever no ano passado.
E aí já tem algo diferente: este ano, nós, fãs de BBB, saímos do armário. Em vez de um formato cansado com seu público de sempre (tipo eu), a vigésima edição deu uma guinada no perfil do espectador do reality. E, claro, no perfil do espectador que se assume espectador.
O BBB 20 está em todas as rodas, grupos de estudo, trabalhos, cafés e chamadas de vídeo. De repente, tem um monte de gente com quem posso conversar sobre um assunto para o qual já vi muita cara feia.
Quem não viu todos os BBBs me pergunta genuinamente se esta é a melhor edição. Tenho dificuldade de cravar essa afirmação. Porque eu fui apaixonada pelo Alemão. Sério. No BBB 7 literalmente acampei por um mês na casa de uma amiga que tinha pay per view. Fiquei por lá sem dormir e comendo na frente da TV. Nas poucas horas de sono, eu sonhava com ele. Então, do meu ponto de vista, não acho esta edição “a melhor”.
Esta edição também não tem o Pedro Bial, que, para mim, é infinitamente mais carismático que o Tiago Leifert – ainda me lembro com nostalgia das terças-feiras de paredão com aqueles discursos acadêmicos do Bial. Era uma mistura de dois mundos que eu gostava de ver.
Mas a edição 20 teve uma jogada de mestre. A ideia de juntar sub-celebridades com os meros mortais foi tão brilhante quanto orgânica. Tão genial quanto óbvia. Antes de começar, os amigos (com milhares de fãs) dos confinados (com milhares de fãs) fizeram o maior #publi não pago da história da televisão.
Dentro da casa, quem não era famoso começou o jogo achando que não teria a menor chance. Afinal, como competir num jogo de carisma como alguém que tem sete milhões de seguidores no Instagram? Difícil missão. Mas não impossível. A começar pelo fato de que no Insta a gente edita, corta, apaga e cria a personagem que deseja; já ao vivo todo mundo acaba sendo o que simplesmente é.
E é assim que chegamos até aqui, na oitava semana do jogo em que o ex-anônimo Felipe Prior tem chances reais e oficiais de levar o prêmio.
Vimos nessas semanas que o público fiel do BBB não é o mesmo que curte e marca as amigas no Instagram. E isso revela que para a esmagadora maioria das pessoas que assistem ao jogo a Boca Rosa e a Mari Gonzales eram igualmente desconhecidas. Deu-se então o fato curioso de que a rivalidade dos “famosos” versus anônimos aconteceu apenas dentro da casa. Aqui no pay per view a coisa estava muito mais equilibrada.
E depois, queridos brothers, no BBB o que a gente quer ver são pessoas com culhões, discurso afinado e que defendem as próprias ideias com empatia e dignidade.
Não é todo dia que a gente vê mulheres desmascarando homens depois da novela das oito
Ao meu ver, não foi a rivalidade programada que bombou o programa, mas a boa, velha e nunca tão atual briga entre meninos e meninas.
Na semana em que as mulheres se uniram para desmascarar o plano machista e fajuto dos “machos alfa”, uma turba começou a vibrar com elas. Colunistas de TV com destaque nas homes dos portais, feministas que nunca assistiram a um episódio do reality tacando fogo no parquinho. Para nós, mulheres que passamos a vida subordinadas a ideias patriarcais e acreditando que mulheres não são amigas, aquela união arrepiou. Meu peito estufou, foi como se pela primeira vez a gente estivesse grandona em rede nacional num programa popular. Foi lindo de ver. E teve uma galera que grudou na televisão neste momento. Não é todo dia que a gente vê mulheres desmascarando homens depois da novela das oito.
Tá, mas daí esse papo esfriou e a galera continuou vidrada. Nem falo de mim, porque eu estaria vidrada de qualquer maneira. Ao meu ver, o fato de ficar explícito que ninguém é o tempo todo bom ou o tempo todo ruim fisgou as pessoas. Numa época de extremismos, mudar de ideia e de lado encanta as pessoas. De repente descobrimos que as fadas sensatas sem defeitos não existem.
E, pra resumir, a casa agora só tem um único brother que originalmente fez parte da panelinha dos “machos escrotos”, acabou sendo isolado pelos demais participantes e, vejam só, é um dos fortes candidatos ao prêmio.
E essa receita a gente já conhece. Quase todas as edições têm uma pessoa que é odiada dentro da casa mas é adorada fora dela. Aquela que não sai do paredão e volta de todos eles. A pessoa que o Brasil inteiro sabe que vai ganhar, com exceção dos amiguinhos de confinamento. Mas claro que nesta edição tem dois.
Um é o Prior, que está caindo nas graças do brasileiros por três motivos: é sincero, é excluído e se aliou ao outro excluído da temporada, o único homem negro da casa. Mesmo estando longe de ser um Alemão (pelo menos pra mim), Prior tem roubado corações por aí.
O outro é o amigo dele, o também excluído Babu, ator desempregado de 40 anos que tem fãs famosos (GabiGol, jogador do Flamengo, e a cantora Anitta) e viralizou em memes trazendo a realidade do negro pra dentro da bolha white people problem que é o BBB. Lá dentro, teve diversos desentendimentos com os mais jovens com relação à organização da casa e expôs atitudes racistas (e nem sempre veladas) das “militudas feministas”.
Em comum, os dois têm a humildade de assumirem seus erros e pedirem desculpas quando a cagada é grande. No paredão da última terça, Babu eliminou Pyong, um dos famosos com maior público pré-BBB. Numa casa com dez pessoas, Prior foi o único abraçá-lo. Até agora, os demais moradores seguem especulando a possibilidade de o paredão ter sido falso. Se mostram incapazes de acreditar na possibilidade de um homem negro e favelado ter apoiadores aqui fora.
E é nessa amizade que no “mundo real” seria bastante improvável que vemos o desdobramento de um possível pódio. Quanto mais Prior e Babu se mostram, mais o Brasil gosta deles — tanto nos erros quanto nos acertos. É a imperfeição com dignidade que tem ganhado votos no BBB 20.
Pra quem achou puxada essa sociologia de Big Brother, sempre tem a Netflix. Mas em tempos de confinamento fica até mais interessante acompanhar os brothers confinados. Hoje, na terceira vez que esbarrei com meus filhos no corredor, senti um dèjá vu diferente e por um instante pensei que, talvez, o Alemão pudesse estar ali na cozinha lavando a louça.
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