Britney Spears e o capitalismo 2.0

Na semana em que três documentários sobre a tutela legal da cantora são lançados, tem muita gente lucrando com a dor de uma pessoa pública – mas desta vez com verniz mais humanista

29.09.2021  |  Por: Maria Clara Drummond

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Britney Spears e o capitalismo 2.0

No espaço de menos uma semana, estrearam três documentários sobre a tutela legal de Britney Spears: “Britney vs Spears”, na Netflix; “Toxic: Britney Spears’ Battle For Freedom,” na CNN; e “Controlling Britney Spears”, na Hulu / FX – este último a continuação de um quarto documentário, lançado em fevereiro deste ano, “Framing Britney Spears”. Assim, não é exagero dizer que, tal qual os tabloides sensacionalistas e os vulgares programas de celebridades no início dos anos 2000, há muita gente lucrando com a dor de uma pessoa pública, mas desta vez com verniz mais humanista. Como a própria Britney versa na canção de 2007, they all want a piece of her. 

“Será que estamos agindo como Diane Sawyer?”, perguntaram-se as apresentadoras da CNN Lisa Respers France e Audrey Irvine, em vídeo no YouTube em que divulgam o documentário da emissora. Em 2003, Sawyer fez Britney chorar ao insinuar que a cantora não era um bom exemplo para meninas jovens. Hoje, há mais autoconsciência a respeito das engrenagens da mídia, o custo humano da cultura de celebridade e a danosa monetização do espetáculo. Não somos mais tão ingênuos de achar que é inofensivo rir de uma jovem com óbvio desequilíbrio mental. A zoeira displicente foi substituída pela preocupação performática. 

Em junho, Britney disse pela primeira vez no tribunal que gostaria do fim da tutela comandada pelo seu pai, e que as pessoas envolvidas deveriam estar na cadeia. Em seguida, em uma postagem no Instagram, escreveu: “Não há nada pior quando pessoas próximas, que nunca demostraram se importar, vêm a público mostrar apoio. Como ousam dizer agora que me apoiam? Onde estava sua mão para me ajudar quando eu estava me afogando?” Aparentemente, a cantora se referia à sua irmã, Jamie Lynn Spears. Mas não foi só ela que decidiu defender Britney apenas em 2021. Todas as celebridades seguiram o mesmo modelo, de Justin Timberlake a Paris Hilton. É impossível saber a sinceridade de suas declarações. 

Há uma miríade de interpretações para cada postagem e declaração feita por Britney. Os fãs procuram respostas, os jornalistas de fofoca procuram gancho para uma manchete sensacionalista, os empresários de mídia procuram visualização e dinheiro. No entanto, quando Britney é direta no seu recado, ninguém a ouve. Em maio, ela escreveu: “Esses documentários são tão hipócritas. Eles criticam a mídia mas fazem a mesma coisa. Por que destacar os momentos mais traumatizantes da minha vida? Vamos falar de coisas mais leves. Estou animada para viajar e dançar durante o verão.”

Hoje, no capitalismo tardio, nós somos o produto, nós vendemos nossas qualidades nas redes sociais na esperança de monetizá-las. A cultura de celebridade antecipou o que a maioria de nós vive em pequena escala. As celebridades não são pessoas, são produtos, microempresas, existem para o lucro. Por isso estão tão sujeitas a doenças mentais, deve ser difícil separar que emoções são vendáveis, destinadas a serem expostas em entrevistas para divulgação de filmes e discos, quais emoções são privadas, indisponíveis para o consumo. 

Britney é a versão extrema disso, não só por causa do seu conturbado início de carreira, exaustivamente explorado pelos paparazzi e tabloides, e, agora, pelos documentários, como também foi transformada em uma máquina de produção durante seu conservatório, obrigada a seguir uma cansativa rotina de shows. O seu acesso à informação era restrito a fim de impedir o desenvolvimento de um pensamento crítico. As conversas via ligação ou mensagem de celular eram monitoradas, intensificando seu isolamento. No seu depoimento em junho, descobrimos que ela sequer sabia de todas as condições legais da própria tutela à qual é submetida. 

É, claramente, uma situação de abuso emocional que já dura décadas, e não sabemos as sequelas que isso terá em sua saúde mental, quando enfim será uma pessoa livre. Por via das dúvidas, talvez seja melhor seguirmos todos o conselho do seu superfã Chris Cooper, que viralizou em 2007 com o pedido: LEAVE BRITNEY ALONE!!!  

 

Maria Clara Drummond é jornalista e escritora, autora dos romances A Realidade Devia Ser Proibida (editora Companhia das Letas, 2016) e A Festa É Minha e Eu Choro Se Eu Quiser (editora Guarda Chuva, 2013)

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