Carne de carnaval

Conheça a história de dois blocos ativistas criados por mulheres

07.02.2018  |  Por: Jéssica Quadros

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Carne de carnaval

Bruna Capistrano, do Toco-Xona

Você não precisa olhar muito em volta para perceber quando o carnaval chega. O brilho nas pessoas não é só purpurina e a falta de compromissos e regras dita os dias que prepararam o ano para de fato começar. Por trás do feriado, das marchinhas, dos corpos livres passeando, rindo e cantado pelas ruas 24 horas por dia, um novo estandarte começou a se levantar em forma de reivindicação de direitos. A festa tornou-se também lugar de ativismo e o respeito deixou de ser uma fantasia que ninguém usava: as mulheres começaram a colocar o bloco na rua.

Renata Rodrigues nunca foi uma foliã das mais animadas. Muito menos se considerava uma feminista oficial de carteirinha. Depois de morar seis anos no interior de Santa Catarina, a jornalista se viu quase na obrigação de tomar a frente de uma brincadeira que fez na internet e juntou aproximadamente 16 mil pessoas. Em resposta a uma postagem machista que dizia “Eu não mereço mulher rodada”, o evento que ela criou debochando do cidadão no Facebook em 2015 acabou tomando uma proporção tão grande que foi preciso vestir a camisa e criar o bloco Mulheres Rodadas. Como ela mesmo disse, nenhuma ideia é errada – e ver mulheres vestidas de catraca ou táxi, rodando ironia há três anos, é uma das provas de que ela estava certa.

Mãe de dois filhos, uma menina de 16 e um menino de 14, Renata seguiu o baile e se apaixonou pelo trabalho que envolve não somente o lado festivo de um evento nacional. “Hoje o que faço emociona e muda a vida das pessoas”, ela diz. O primeiro passo foi juntar seus contatos e aprender música. Na sequência, os ensaios. Hoje, o time conta com 200 amantes, dentre eles homens – sim, homens são bem-vindos – e mulheres, divididos entre a percussão, metais, pernas de pau e bambolês. Além do cortejo na Quarta-Feira de Cinzas, no Largo do Machado, na Zona Sul do Rio de Janeiro, o grupo promove encontros e debates abertos ao público que buscam manter vivo o diálogo sobre feminismo.

Assim como a Renata, Bruna Capistrano tinha no início vontade, mas não tinha músicos. Fundadora do Toco-Xona, bloco formado essencialmente por lésbicas, ela se juntou em 2008 com a então namorada, Michele Krimer, para fundar um dos blocos mais conhecidos do carnaval gay carioca. Unidas hoje apenas pelo trabalho e a amizade, as duas se dividem para botar ordem na casa: “Eu cuido de toda a parte da comunicação, estratégia e mídia, e a Michele toca a parte artística, dando o ritmo carnavalesco aos enredos”, conta Bruna. Juntas, elas transformaram uma pequena confraternização em um evento que trouxe ao longo dos anos releituras de grandes nomes do rock, como Madonna, Cazuza e Fred Mercury. Completando agora dez desfiles em 2018, homenageando a rainha do rock brasileiro, Rita Lee, a banda vai colorir o Aterro do Flamengo, no Rio, na manhã de domingo.

Bruna conta que elas começaram literalmente andando na contramão e assumindo o risco de levantar uma bandeira: no primeiro ano, com 50 amigas, saíram da Rua Muniz Barreto e chegaram à Praça Joia Valansi, em Botafogo, na direção contrária ao trânsito, com marchinhas e apenas um megafone. A cada cortejo, uma vitória. Uma caixa de som. O desenhar da harmonia. O carro de som. Assim, a querida praça ficou pequena para o tamanho do barulho dessas 16 meninas que defendem e cantam a força da mulher gay.

Abrir alas para esses desfiles é escutar a importância da presença feminina onde quer que ela queira estar. Sem censura e sem estereótipos ou preconceitos. Da forma que ela quiser, de roupa, sem roupa, impondo apenas uma regra ao momento mais esperado do mês de fevereiro. Ser feliz com respeito à representatividade conquistada.

2 Comentários

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2 respostas para “Carne de carnaval”

  1. Mariana Kapps disse:

    As qualidades das mulheres estão em toda parte, de todos os jeitos.Ter o carnaval como canal de reflexão é muito potente. Ótimo texto!

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