Cinco filmes cults na Netflix

Dicas de uma millenial para preencher 'lacunas intelectuais' e desopilar da quantidade de lixo consumido na internet

07.06.2018  |  Por: Camila Régis

image
Cinco filmes cults na Netflix

Nos Estados Unidos, criou-se uma narrativa um pouco fantasiosa a respeito de uma geração que em teoria é preguiçosa, mimada e narcisista. Ela seria a responsável por catástrofes como o declínio da indústria americana da cerveja e a diminuição na venda de ingressos de cinema. O que essa análise ignora é que millennials, bem, não têm dinheiro. Segundo uma pesquisa divulgada pelo Washington Post, 36% dos estudantes de 66 universidades não têm renda para comer o bastante ao longo do mês. Talvez os critérios que definem essa geração nos Estados Unidos não se apliquem totalmente à realidade brasileira, mas pelo menos um aspecto une jovens daqui aos jovens de lá: a falta de grana.

Pagar R$ 40 num ingresso de cinema mais R$ 20 num pack de cerveja equivalem no Brasil a belíssimos três meses de Netflix pagos. Não sei se pesquisadores estão se debatendo para saber o que faz os jovens de hoje a ficarem mais em casa, mas a minha hipótese é bem pragmática: sair é caro. Netflix and chill é um programa barato e fácil, principalmente no feriado seguinte à greve dos caminhoneiros (foi exatamente o que eu fiz). Com o catálogo do aplicativo aberto, um dilema sempre se instala: o que ver diante de tanta opção. Depois de alguma angústia, cheguei a algumas conclusões. Sinto que já vejo uma quantidade de lixo considerável na internet. Feeds, memes, vídeos de animais, jogos brilhantes, stories em pontinhos (não estou reclamando, adoro lixo). Mas ver mais lixo ainda é uma possibilidade que me incomoda.

No fim, acredito que olhamos para telas pela mesma razão que homens primitivos olhavam para fogueiras: brilha e se mexe. Porém, me agrada pensar que eu poderia usar essa “fogueira” de um jeito minimamente mais sofisticado. Ver filmes clássicos, preencher algumas lacunas intelectuais com referências que faltam (ainda que eu não tenha tido coragem de assistir à trilogia do Poderoso Chefão, sempre que vejo aquelas três horas de duração me bate um desânimo). Com isso em mente, séries, no geral, não fazem parte das minhas primeiras escolhas. Elas ocupam um tempo maior, com chances grandes de serem entre ruim e o.k. A ideia de passar 16 horas na frente de uma tela também não me seduz. Na matemática não vale a pena. Por isso, acredito que assistir a um filme é uma atividade mais concentrada, que exige uma atenção mais focada. Se fico duas horas vendo algo sem olhar o celular, parece que ganhei um prêmio de honra ao mérito.

Nessa iniciativa de tentar fazer a Netflix intelectualmente mais útil (e sair um pouco do celular), escolhi filmes do catálogo para ver pela primeira vez e preencher algumas lacunas.

Eis os Delírios do Mundo Conectado (2016) – Werner Herzog

Tenho simpatia por Werner Herzog desde que li uma entrevista sua para a GQ americana. Gosto do comentário sobre a febre do “autoconhecimento”. Ele diz que conhecer todos os nossos “cantos escuros e inexplicáveis” é como morar em um apartamento com lâmpadas acessas em todos os lugares: dentro dos armários, embaixo das mesas, atrás das portas. Ou seja, não é só incômodo, mas insuportável. É uma espécie de defesa do inexplicável. O mesmo ele faz em seu documentário dedicado à internet. O filme não é uma tentativa de explicação, mas um apanhado de aspectos diversos relacionados à internet, que vão desde o sentido mais material (o primeiro computador do mundo a enviar um e-mail) até o mais abstrato (o milionário Elon Musk com suas ambições espaciais). Ainda há depoimentos de pessoas alérgicas ao sinal de wifi e de hackers presos por crimes digitais.

Cabo do Medo (1991) – Martin Scorsese

Pode ser simplório da minha parte, mas tenho a impressão de que Martin Scorsese é, no fim, um retratista de masculinidades americanas. Uns atores ítalo-americanos (De Niro, DiCaprio), uns socos, umas provações, mistura bem e temos Taxi Driver, Touro Indomável e Gangues de Nova York. Nesse mesmo grupo, temos Cabo do Medo, com um Robert De Niro psicopata e uma Juliette Lewis de 18 anos, além dos ótimos Nick Nolte e Jessica Lange. A trama gira ao redor de um ex-penitenciário condenado por violação sexual (De Niro) que decide se vingar do advogado que permitiu sua prisão (Nolte). O filme lembra thrillers mais antigos por causa da música assinada por Bernard Herrmann (da trilha de Psicose) e dos créditos iniciais feitos por Saul Bass, designer dos cartazes dos filmes de Alfred Hitchcock.

Três é Demais (1998) – Wes Anderson

O gosto de Wes Anderson por roteiros com adolescentes esquisitos não é recente. Aqui, Jason Schwartzman aparece em seu primeiro filme, aos 15 anos de idade, interpretando o filho do barbeiro que ganha uma bolsa para uma escola particular. Ele se apaixona por uma professora (Olivia Williams) e tem como modelo inspirador o professor vivido por Bill Murray. Dá para ver aqui as primeiras tentativas da cenografia bem arranjada e takes com simetrias que dominaram a produção posterior de Anderson.

Match Point (2005) – Woody Allen

Hoje em dia, sugerir obras de artistas como Woody Allen talvez seja pecado. Mas sou dessas pessoas antiquadas que acredita numa separação possível entre artista e obra, e mais do que isso: às vezes, gostamos de coisas feitas por pessoas com quem não concordamos moralmente. Este filme, em especial, tem até certa ironia porque seu desfecho (não contarei) é possível devido a uma sociedade baseada mecanismos misóginos. Trata-se de uma história centrada em dois “arrivistas”, um personagem típico da literatura francesa do século 19. Dois estrangeiros, o professor de tênis irlandês Chris Wilton (Jonathan Rhys Meyers) e a aspirante a atriz americana Nola Rice (Scarlett Johansson), tentam adentrar a alta sociedade inglesa seduzindo uma dupla de irmãos milionários. Talvez um dos filmes mais “literários” de Allen.

Raw (2016) – Julia Ducournau

Particularmente, desde adolescente gosto de filmes de terror (gosto inclusive dos ruins). Contudo, Raw, da diretora francesa Julia Ducournau, é o tipo de filme que pode agradar até os mais ressabiados com o gênero. Traz um enredo, no mínimo, curioso: a tímida jovem Justine é uma vegetariana aprovada para entrar na faculdade de veterinária. Porém, ela é obrigada (pela própria irmã, uma veterana) a comer carne em seu trote. A partir disso, as coisas mudam. O retrato das festas universitárias francesas parece capturar o espírito da fase 2010 de drogas sintéticas, festas caóticas, música eletrônica e surpresas inconvenientes. A cereja do bolo vem com a plasticidade da fotografia e direção de atores, que transforma um filme de terror em algo surpreendentemente belo.

Camila Régis é jornalista que cobre literatura e artes plásticas, e estuda letras/alemão na USP

0 Comentários

Comentar

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Deixe uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *