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Depois de anos sendo renegadas pelo mercado, as diretoras de fotografia começam a ser reconhecidas por seu trabalho, como prova a indicação de Rachel Morrisson ao Oscar

02.03.2018  |  Por: Maria Clara Drummond

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Finalmente! Rachel Morrison é a primeira mulher indicada por direção de fotografia ao Oscar, pelo seu trabalho no filme Mudbound – Lágrimas Sobre o Mississippi, dirigido por Dee Rees, e também contemplado com indicações de melhor roteiro adaptado e melhor atriz coadjuvante. A norte-americana também está em evidência este ano pelo seu trabalho no elogiadíssimo Pantera Negra.

Não à toa, isso aconteceu apenas em 2018. A direção de fotografia é uma das áreas do cinema em que as mulheres são menos prestigiadas. Uma pesquisa publicada pelo Center for the Study of Women in Television & Film mostra que, dos 250 filmes de maior destaque de 2017, apenas 4% tiveram uma mulher no cargo. Dez anos antes, em 2006, era apenas 2%.

Num primeiro momento, sobram respostas rápidas pra justificar o porquê da direção de fotografia: para ascender à posição mais alta, é preciso ter experiência como primeiro e segundo assistentes, e logo no início surge o empecilho do peso dos equipamentos. A diretora Marina Person, que na época da faculdade sonhava em fazer carreira na área, acabou desistindo por conta disso: “Eram os anos 90, trabalhava-se apenas com película, e havia enormes malas para carregar um lado para o outro. Para ser um bom diretor de fotografia, não é preciso ser forte, e sim ter um olhar artístico apurado. Mas, na época, ninguém questionava isso.” No entanto, a maior tecnologia no set minimizou esse problema. “Hoje em dia os equipamentos são bem mais leves. Não é mais uma questão”, diz a fotógrafa Kátia Coelho.

O maior problema que acomete a profissão é o machismo estrutural. A direção de fotografia é um dos cargos mais importantes na construção de um filme. Envolve a maior parte do orçamento, comandar a equipe com maior número de pessoas, com ampla decisão criativa. “É aí que é materializado o sonho do diretor, a história do roteirista e o projeto do produtor, em suma, um cargo de muita confiança, em que administramos muito dinheiro e poder”, diz a diretora de fotografia Heloísa Passos. “Creio que é apenas uma reflexão da falta de visibilidade das mulheres em outras áreas de muita autoridade, como Congresso, Senado e comando de empresas.” Na direção, por exemplo, a situação não é muito melhor, com apenas 7% dos filmes de maior bilheteria ano passado tendo sido dirigidos por mulheres.

O preconceito com o que seria associado a profissões masculinas e femininas também é uma influência. “Historicamente as mulheres foram excluídas das áreas técnicas”, conta a fotógrafa Fernanda Frazão. “Na fotografia still conseguimos contornar esse tipo de machismo porque temos mais autonomia. Só precisamos de um estúdio, uma máquina e um assistente. Não há tanta necessidade de lutar para entrar no clube dos homens para ser aceita e chamada para trabalhos.” Carolina Costa, diretora de fotografia da série erótica Desnude, que estreia segunda-feira às 23:30 no GNT, pondera que a profissão poderia ser até associado ao feminino “É um trabalho que tem muito mais a ver com multitasking, instinto e empatia, o que mostra que os números e essa cultura são embasados em teorias velhas, que não fazem mais sentido”.

Para Heloísa Passos, que este ano tornou-se membro da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas – o Oscar – o mais difícil é precisar moldar sua personalidade para ser respeitada num universo só de homens. “Meu olhar é delicado, mas para ser aceita num universo tão masculino, precisei endurecer, para aprender a me impor. Foi um exercício interno para que isso não fosse um problema para mim.”

Mas, mesmo assim, ela acredita que as mulheres estão ganhando maior visibilidade. Ano passado, a Associação Brasileira de Cinematografia teve sua primeira mesa de debate apenas de mulheres, só depois de 18 anos de existência. Em 2016, foi criado o DAFB – Coletivo de Mulheres Diretoras de Fotografia do Brasil, que conta com mais de 120 mulheres cis e trans, e também homens trans, que trabalham nesse setor, tanto nas regiões mais ricas quanto o Sudeste, quando no interior ou no Norte do país. “Quando, ano passado, fui dar um curso, e percebi que mais de 50 alunas eram mulheres, fiquei otimista”, conta Heloísa. Ao que parece, finalmente a indústria começa a focar num ambiente de trabalho mais justo e diverso.

Algumas das incríveis mulheres que trabalham nesse setor no Brasil: Alline Lata; Carolina Costa; Camila Cornelsen; Cris Lyra; Emilia Sauaia; Fernanda Frazão; Fernanda Tanaka; Flora Dias; Gabriela Mo;  Heloísa Passos, Isadora Brant; Janice Dávila; Joyce Prado, Julia Zakia; Kátia Coelho;  Milena Seta. Uma lista completa no site do Coletivo das Diretoras de Fotografia do Brasil: dafb.com.br

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