Clube de assinatura especializado em livros de mulheres negras quebra apagamento histórico
Antirracista e com curadoria especializada, Africanidades promete também produtos feitos por afro-empreendedores
11.11.2019 | Por: Jéssica Balbino
Aquecer o mercado literário com a literatura feita por mulheres negras no país. Essa é a proposta da bibliotecária Ketty Valencio, que pôs para circular, em novembro, o Clube de Assinatura Africanidades, o primeiro do país com este recorte racial. Vamos entender por que essa iniciativa inédita é urgente?
Uma busca rápida nas ferramentas digitais dão conta de pelo menos 20 clubes de assinatura de livros diferentes no país, no entanto, nenhum deles é voltado exclusivamente às mulheres e/ou às pessoas pretas. Considerando esta a maioria da população, entendemos que há algo em desequilíbrio, especialmente quando, nos dois últimos anos, os livros mais vendidos dos festivais literários do país foram escritos por pessoas negras e um dos movimentos que mais lançam autores (o slam – campeonato de poesia falada) é composto por pessoas pretas, logo, o Clube de Assinaturas Africanidades é urgente.
A ideia é de Ketty Valencio, que há quatro anos criou a Livraria Africanidades, depois de trabalhar por sete anos em bibliotecas. O modelo tem dado certo e traz não só representatividade, como rentabilidade.
“É uma livraria pequena, mas que desafia o que existiu até aqui e há um interesse crescente na nossa literatura, o que é ótimo, porque não é uma onda passageira, é uma inclusão e uma nova forma de se ver e viver”, diz.
Movimenta a economia no mercado editorial
O clube fomenta não só a economia entre as autoras negras, mas todo o cenário editorial, em crise com o fechamento de grandes livrarias e conglomerados editoriais. E não é moda. Trata-se de uma iniciativa pensada há bastante tempo. A livraria Africanidades, que leva o mesmo nome do clube, abriu as portas em 2015 e possui um acervo com cerca de 150 títulos diferentes.
A livraria surgiu antes do mercado se atentar para a questão racial, no entanto, já nota mudanças. Em 2018, a principal editora do país teve três livros de mulheres negras entre os mais vendidos, o que denota a importância da iniciativa para o setor financeiro.
“Nós, mulheres negras, estamos vivas e queremos fazer parte do mercado. Sabemos que somos indispensáveis para a formação da questão histórica do nosso país e estamos produzindo e disputando narrativas e isso mexe, claro, na economia. Existe, sobretudo, uma cadeia de produção paralela dessa literatura, que é feita majoritariamente por pessoas negras, desde a concepção, ilustração, revisão, assessoria de imprensa, diagramação, etc, aquecendo também o mercado entre nós mesmas e na periferia”, declarou Ketty Valencio, criadora do clube.
Livros escritos por mulheres negras rompem com o apagamento histórico
Historicamente, homens e brancos sempre representaram a maior fatia do mercado editorial – e das narrativas brasileiras, como mostra o levantamento feito pelo Grupo de Estudos em Literatura Brasileira Contemporânea da Universidade de Brasília (UNB), que analisou mais de 600 romances escritos e publicados no Brasil entre 1965 e 2014 nas grandes editoras e constatou que mais de 70% foram escritos por homens e 90% por pessoas brancas.
Na periferia, um estudo feito pela Unicamp em 2016 mostra que as mulheres publicaram 21% a menos que os homens entre os anos de 2000 e 2015 – o mesmo ano do surgimento da livraria, o que dá início ao processo de rompante com o apagamento histórico.
“Somos a maioria da população (54% autodeclarada) e temos muita coisa a contribuir e compartilhar. Nosso clube não é apenas o livro pelo livro, mas também uma plataforma de ferramenta política que tem como objetivo mudar as estruturas postas e em vigor no país a partir das provocações que fazemos a partir da literatura”, destacou Ketty.
Antirrascista
A célebre frase de Angela Davis: “Numa sociedade racista, não basta não ser racista. É necessário ser antirracista”, se faz urgente também quando falamos do clube Africanidades e de pessoas brancas que se interessarem pela assinatura.
“O clube é uma ferramenta de desconstrução para a branquitude e que não olhe para estas obras apenas como uma forma de se sentir menos culpado porque está lendo obras de pessoas negras, mas sim como início de um processo de descolonização”, enfatizou Ketty.
Curadoria especializada
Um ponto a ser destacado do Clube Africanidades é a curadoria especializada, que foi pensada e convidada para o primeiro ano, a fim de provocar o cenário literário no país.
O primeiro livro será escolhido por Jarid Arraes. Jarid é nascida em Juazieor do Norte, na região do Cariri (CE). Escritora, cordelista e poeta. As outras curadoras são a poeta best-seller Ryane Leão, a jornalista Bianca Santana e a escritora e jornalista Esmeralda Ribeiro.
“Penso as curadoras como uma artilharia e elas tem o papel de fazer essa grande revolução, porque a guerra contra a população negra, especialmente contras as mulheres, se iniciou há muito tempo e estamos cansadas. Nossa resposta será através da nossa literatura e elas estão empenhadas em escolher os melhores nomes para isso”, disse a responsável pelo clube.
Afro empreendedorismo
Vale destacar que os assinantes recebem, trimestralmente, um equivalente a oito produtos, contendo um kit temário surpresa, com o livro escolhido pela curadora, marcador de páginas e outros produtos de marcas e grifes de afro-empreendedores, principalmente de empresas compostas por mulheres negras.
Serviço – Conheça o Clube de Assinatura Africanidades
Jéssica Balbino é o tipo de mulher elétrica, que mistura jornalismo, produção cultural e literatura com pimenta, cafeína, fósforo e gasolina
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