Com versos feministas, nova ‘instapoet’ chega às livrarias
Amanda Lovelace, autora de ‘A princesa Salva a Si Mesma Neste Livro’, é exemplo do fenômeno de mulheres cujos poemas, escritos nas redes sociais, viralizam e depois conquistam o mercado editorial
19.12.2017 | Por: Audrey Furlaneto
“este livro não é/ um conto de fadas/ não há nenhuma/ princesa/ não há nenhuma/ donzela/ não há nenhuma/ rainha/ não há nenhuma/ torre/ não há dragões/ há apenas uma garota/ diante da difícil tarefa/ de aprender a/ acreditar/ nela mesma.” Sob o título Aviso I, este poema abre o livro de estreia da americana Amanda Lovelace, que chegou às livrarias brasileiras em dezembro de 2017.
Até desembarcar no país, sua obra, A Princesa Salva a Si Mesma Neste Livro (editora Leya), cumpriu o périplo de outros títulos nascidos na internet, compostos de versos simples com mensagens que miram o empoderamento da mulher.

Poema de Amanda Lovelace, em A princesa Salva a Si Mesma Neste Livro
Eis o roteiro de tais obras: primeiro, o livro é gestado na internet — no caso de Amanda Lovelace, em especial no Tumblr, além de Instagram e Twitter, por meio de posts coroados com likes aos milhares; depois, a obra é publicada pela autora de forma independente, por conta própria, e, por fim, acaba amealhada pelo mercado editorial tradicional.
As autoras de tais obras, mesmo depois de conquistarem as editorias, recebem a alcunha de “instapoets”, em referência ao Instagram, que, para muitas, é a rede ideal para os posts dos versos — curtos, de modo a caberem numa pequena imagem, e sempre com um pé na autoajuda, e o outro, no feminismo. “Embora eu não me considere uma perfeita feminista (na minha opinião, ninguém realmente o é, já que estamos num eterno ciclo de aprender e cometer erros), gosto de me considerar uma poeta feminista. Não há um só trabalho meu em que eu deixe de lado meus valores feministas”, diz Amanda.
Ela publicou seu livro de estreia em abril deste ano, e não tardou para que lhe procurasse um editor com o convite para fazer um livro à “moda antiga”, por meio de uma editora convencional. O mesmo editor, aliás, lançou no mercado a expoente das instapoets: Rupi Kaur, canadense de origem indiana, que cumpriu o mesmo roteiro de Amanda Lovelace e de suas colegas poetas de internet.
Rupi começou nas redes, publicou sem editora seu livro de poemas e, depois, foi caçada pelo mercado. No Brasil, seu Outros Jeitos de Usar a Boca saiu pela Planeta e figurou por meses entre os dez mais vendidos entre os livros de ficção. Nos EUA, o título ficou mais de 40 semanas entre os líderes de vendas no ranking feito pelo New York Times. Ao todo, a autora (que foge de entrevistas sobre sua obra) ultrapassou um milhão de cópias vendidas.

Poema da autora indiana, em seu best-seller Outros Jeitos de Usar a Boca
O salto — das redes sociais ao livro feito por conta própria e, depois, ao mercado — ainda surpreende as autoras. Assim o é para Amanda Lovelace: “Soa um tanto surreal que o livro tenha começado como autopublicação e que, agora, eu esteja dando entrevista sobre uma edição brasileira dele.”
A instapoet completa: “Escrevi a maior parte dos versos enquanto estava sentada no meu carro, esperando para ir a uma aula da faculdade. Nunca pensei que alguém fosse se importar a ponto de ler meu trabalho, que eu publiquei sozinha. Ser publicada de forma tradicional (por uma editora) nunca foi sequer uma possibilidade no meu pensamento, e estou incrivelmente feliz pelo fato de as minhas palavras estarem agora disponíveis a tantas pessoas. Todos os dias recebo emails e mensagens dizendo o quanto meu pequeno livro foi capaz de ajudar alguém. Isso é muito além do que eu esperava.”
A americana Amanda Lovelace e a indiana Rupi Kaur têm pares no Brasil. A mesma editora Planeta que trouxe ao Brasil a obra de Rupi, por exemplo, publicou em novembro passado a brasileira Ryane Leão, de 28 anos — outra que seguiu o convencional roteiro das instapoets: expôs versos nas redes, conquistou fãs no Facebook e no Instagram (tem cerca de 90 mil seguidores) e, enfim, lançou nas livrarias seu Tudo Nela Brilha e Queima.
Por aqui, há ainda outras mulheres adeptas da arte da poesia de internet. O Slam das Minas é um exemplo lembrado pela crítica literária e ensaísta Heloísa Buarque de Hollanda. Foi ela quem, nos anos 1970, lançou os olhos para a chamada poesia marginal e organizou a antologia 26 Poetas Hoje, prestigiado livro que reúne poemas de Ana Cristina César, Chacal, Waly Salomão, Capinan, entre outros. No caso das instapoets, observa ela, a qualidade da poesia em si não é o cerne da criação. “Não é tanto uma poesia para ser escrita, mas para ser falada, propagada”, diz, referindo-se ao Slam das Minas de São Paulo, em que mulheres se encontram em saraus para declamar seus versos.
“O que importa ali é a performance, e isso, o que importa, se adapta de acordo com cada mídia, que carrega um modelo próprio. Para as instapoets, por exemplo, o livro em si é um subproduto, fruto de outra plataforma. Já o livro impresso a priori é uma experiência diferente daquela proposta pela internet. Nas redes sociais, são outros os parâmetros de julgamento, que diferem daqueles usados para a poesia que é feita de forma solitária, escrita para um livro a ser lido por um leitor também solitário. Vejo as instapoets como criadoras de uma poesia-mensagem, ou seja, o verso é concebido para ser portador de uma mensagem”, avalia Heloísa.
Sobre o fato de serem feministas os poemas das novas autoras, a crítica pondera: “Não existe um gênero chamado poesia feminista e, se houvesse, seria, a meu ver, uma redução do que é a poesia. A experiência feminista pode estar no poema, mas não necessariamente de forma explícita, entende? Ana Cristina César não se dizia feminista [na poesia], por exemplo. Não acredito que exista o gênero poesia feminista. A poesia está para além de qualquer mensagem.”
0 Comentários