Comédia romântica versão 2.0

Os clichês mais datados dos filmes água-com-açúcar de Hollywood

17.04.2018  |  Por: Maria Clara Drummond

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Comédia romântica versão 2.0

A função do cinema-pipoca é justamente o escape – afinal, não é à toa que “fábrica de sonhos” é o epíteto de Hollywood. O objetivo principal é o entretenimento de uma população que trabalha cada vez mais, por cada vez menos dinheiro, e só quer relaxar. Se, porventura, causar alguma reflexão, melhor, mas sem Godard. Mas, na medida em que nós, mulheres, nos conscientizamos mais e mais a respeito de relacionamentos tóxicos, alguns clichês das comédias românticas que tanto amamos tornam-se, no mínimo, risíveis. Vamos para um SOBE & DESCE: o que ainda faz sentido ou não num universo cada vez mais feminista?

DESCE

Ah, o destino: Pessoalmente, acho este um dos mais perversos. Seu par perfeito está em algum lugar te esperando. Quando vocês se encontrarem, será amor à primeira vista, pois vocês saberão que são almas gêmeas. Caso haja contratempos, o universo vai se encarregar da reunião. Ou seja, ninguém é responsável sobre suas ações, ninguém tem agência de nada, não há necessidade de tomar qualquer atitude ativa. Talvez por isso seja tão reconfortante. É tão cômodo!

Síndrome de Ross e Rachel: Uma variação da questão acima: duas pessoas se afastando por conta de questões desimportantes até perceberem que se amam. Romance precisa haver resistência, dificuldade, nenhum dos pares – principalmente a mulher – pode ser fácil. Nunca achei que fosse falar nisso, mas nessa fico com Jota Quest, porque o que é fácil extremamente fácil pelo menos não dá brecha para relacionamentos abusivos.

O cafajeste domado: O cara é retratado como alguém que objetifica mulheres, não assume compromisso, é potencialmente babaca, mas ao encontrar a mulher certa, vai se transformar no marido ideal. Senta lá, Claudia.

Gestos grandiosos: Não, pedir alguém em casamento em frente a um estádio cheio de pessoas nunca é uma boa ideia. Tampouco aparecer na casa da pessoa com uma serenata – John Cusack é indie e usa um rádio Boombox em Say Anything. Não sei se é a minha bolha, mas nunca vi isso acontecer na vida real. Espero que seja um consenso que algumas coisas têm mais cara de medida restritiva do que prova de amor.

Perseguição: Tem também aquele lance do aeroporto. Todo filme quer emular Ingrid Bergman e Humphrey Bogart em Casablanca – neste caso, o casal não fica junto porque não se trata de uma história de amor, e sim de uma propaganda de guerra (pois é, Casablanca foi feito por motivos políticos!). Num mundo pós-11 de Setembro, não é tão fácil burlar a polícia federal e alcançar alguém na sala de embarque, e na vida real, o romântico em questão teria que se contentar com chocolates importados no Free Shop. A grande crueldade da coisa é: um homem correr atrás de uma mulher é bonitinho – afinal ela é difícil (Cadê “NO MEANS NO” nessa hora?!), mas caso os gêneros sejam trocados, a mulher é uma maluca, possivelmente erotomaníaca, e trata-se de um filme de terror – Hello, Atração Fatal?

Identificação: Uma amiga minha tem uma teoria: se o filme é feito para homens, o casal é formado por uma mulher ultra-sexy com um ator de aparência normal, para que o espectador masculino acredite por duas horas que é capaz de conquistar uma mulher daquelas. Quase ninguém questiona por que raios um pateta iria atrair a atenção de uma deusa como Megan Fox ou Angelina Jolie. Nos filmes direcionados para as mulheres, os produtores são mais preguiçosos (sempre, né?), e só colocam uma atriz gatinha, porém fofamente desastrada, para fazer par com o galã. Assim, não achamos alguém como, sei lá, Julia Roberts, perfeita demais, afinal, ela tropeçou na escada.

O Patinho Feio: De Cinderela a Grease, temos a mocinha que muda sua aparência para tornar-se mais atraente para o rapaz. Normalmente, basta tirar os óculos de grau, alisar o cabelo, trocar de roupa e, bam, como ninguém nunca percebeu que aquela mulher era na verdade uma Gisele Bündchen!? No adorável My Fair Lady, chega-se ao cúmulo de o homem literalmente criar a mulher: o professor Henry Higgins muda a roupa, o comportamento e o sotaque de Eliza Doolittle, transformando-a numa dama da aristocracia inglesa – a personagem é interpretada por Audrey Hepburn, que, convenhamos, é chique até com trapos.

SOBE

Autoconsciência: Há alguns filmes que usam os clichês acima como recurso cômico. Quando bem feitos, são uma lufada de ar fresco no meio de tanta pasteurização. Um dos exemplos mais clássicos que consigo pensar é 500 Dias Com Ela.

Não só a expectativa de gênero é invertida – o rapaz que é o romântico incurável e a fofinha só quer zoar – como o narrador em off, reafirmando o aspecto fabulesco do filme, avisa: isso não é uma história de amor. Summer desde o começo verbaliza que não quer nada sério, mas Tom viu muitos filmes de amor, e acredita que pode fazê-la mudar sua opinião.

Outro exemplo, que pode até ser meio trash, mas mora no meu coração: em Casamento Do Meu Melhor Amigo, há vários clichês juntinhos: a mulher que descobre do nada que é apaixonada pelo amigo, o plano de interromper a cerimônia do casamento, a antagonista sem graça, o melhor amigo gay – ainda que muito estereotipado, mas mesmo assim permanece o melhor personagem, atuando como o advogado do diabo que denuncia o absurdo de tudo aquilo.

Mas, no final, a anti-heroína sai de mãos vazias, com todo seu plano exposto ao ridículo, e todos esses clichês têm sua expectativa invertida: Julianne e Michael, afinal, não eram feitos um para o outro.

CONCLUSÃO

Estamos falando de Hollywood, é lógico. Aquele edredom gostoso em forma de filme. A doidera é que, de tanto ir ao cinema ao longo da nossa existência, acabamos por tentar emular o comportamento dos personagens, e nossa expectativa é moldada a partir daquelas histórias, de forma que quando algo incrível nos acontece, dizemos: “Uau, foi exatamente como nos filmes!”

Por um lado, isso pode ser extremamente danoso, porque não dá para esperar para sempre o famoso combo: declaração + beijo na chuva. Mas essas fantasias que o cinema provém nos dão a oportunidade de criar nosso próprio curta-metragem através da imaginação. Assim,  vivenciamos situações utópicas, viajamos para lugares que jamais iríamos na vida real, livres de quaisquer restrições psíquicas e orçamentárias. Não muito diferente de jogar The Sims. Como glúten e lactose, a fantasia, se bem dosada, pode dar aquela temperada na vida, e transformar a pacata caminhada na Av. Faria Lima, cheia de sacolas de supermercado, com a exaustão pós-expediente, em algo bem mais emocionante.

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