Como Ava DuVernay está transformando a indústria do entretenimento e começa a impactar o Brasil

Nomeado por realizadoras de 'Ava effect' (ou efeito Ava), movimento aumenta a visibilidade de projetos criados por mulheres e pessoas negras, empoderando novas vozes no mercado

29.03.2022  |  Por: Natália Albertoni

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Como Ava DuVernay está transformando a indústria do entretenimento e começa a impactar o Brasil

Ava DuVernay está mudando a indústria do entretenimento. E, ainda bem, os efeitos desse furacão estão chegando até o Brasil. Diretora, produtora e roteirista, Ava é criadora de sucessos como “Selma”, “Olhos que Condenam” e “A 13ª emenda”. É também uma desbravadora. Foi a primeira diretora negra a ser nomeada para um Globo de Ouro e a primeira diretora negra a ter seu filme indicado para o Oscar de Melhor Filme. É um dos nomes por trás de “Queen Sugar”, a primeira série na história a ter todos os episódios dirigidos por mulheres. E de “Cherish the Day”, que atingiu a paridade de gênero já na temporada de estreia, ou seja, tendo mais de 50% dos cargos ocupados por mulheres: desde a produção, passando do roteiro à direção, maquiagem, elétrica, transporte, supervisão de pós… (a lista é realmente longa), contabilizando 18 chefes de departamento. 

Aumentando a visibilidade de filmes e séries produzidos e criados por mulheres e pessoas negras, Ava tem incentivado que outras façam o mesmo. Em um painel do SXSW deste ano apenas com showrunners mulheres – todas conectadas a Ava de alguma forma – Dee Harris-Lawrence (“All Rise”) lembrou que em muitas ocasiões elas foram as únicas num set ou sala de roteiro. E, também por isso, tardaram a se conhecer. Hoje, o cenário mudou e é encorajador. “Existe um exército de mulheres querendo que você vença e estão aqui pra te ajudar a arrumar um trabalho”, incentivou Janine Sherman Barrois (“The Kings of Napa”), na mesma mesa. 

MAIS DO QUE LUGAR DE FALA, PROTAGONISMO 

É um movimento importante para o avanço da consolidação do protagonismo negro e das mulheres na construção de suas próprias narrativas. Não só pelo lugar de fala, mas porque ouvir histórias que partem de vivências é extremamente poderoso. “Você se reconhecer é muito forte e muito potente”, diz Maria Ângela de Jesus, uma das maiores referências nacionais na produção audiovisual. Para ela, ficou mais evidente a busca por novos olhares no mundo, em especial em posições de liderança, a partir dos ventos de 2020, marcado pelo assassinato de George Floyd nos Estados Unidos. “Antes tínhamos ações individualizadas. Hoje, estamos conseguindo nos organizar para uma ampliação do mercado”, conta. São exemplos a APAN (Associação de Profissionais do Audiovisual Negro), que, inclusive, lançou o primeiro Festival Internacional do Audiovisual Negro do Brasil naquele ano; empresas como a Maria Produtora, focada em criar e produzir conteúdo audiovisual com a temática racial e feminina; além de uma série de diretoras que estão ocupando esses novos espaços, como Carol Rodrigues, Jessica Queiroz e Sabrina Fidalgo. 

Dentro da própria Hysteria, ao dirigir “Abre Alas”, lançada no YouTube Originals, em 2021, Maristela Mattos se viu entre iguais. Foi a primeira vez que ela fez um projeto apenas sobre mulheres negras com uma equipe majoritariamente feminina e maciçamente negra. Na série documental de seis episódios, a cantora Agnes Nunes faz uma homenagem às mulheres que abriram caminho no mercado musical do país para outras artistas e sempre foram suas inspirações. “De alguma maneira a gente se entendia com o olhar e de maneira muito simples, em movimentos sutis. Essas mulheres [Elza Soares, Sandra de Sá, Preta Gil, Liniker, Tássia Reis e Margareth Menezes] têm episódios de vida pessoal de muita dor. Foram expostas em décadas muito mais racistas e machistas. Eu como profissional tive que encontrar um jeito extremamente delicado, acolhedor e carinhoso pra falar desses assuntos sem trazer lembranças terríveis. Tive que improvisar muito e acho que a Agnes também”, lembra a cineasta.

NÃO HÁ DIVERSIDADE SEM INCLUSÃO

A transformação está vindo. “A partir do momento que temos mais profissionais diversos dentro das produções, cada vez mais eles vão trazer outras vozes para as produções”, garante Maria Ângela. E reforça: “não tem como aumentar a diversidade se não houver inclusão.” Nesse processo, um cuidado importante para o mercado ter é não olhar pro profissional negro, mulher, LGBTQIA+, com um olhar condescendente. “É necessário lembrar que você está abrindo uma oportunidade para um profissional. A pessoa tem muito potencial? Vamos deixá-la crescer? Estamos fazendo isso com quem vem de outros espaços ou só com quem vem de uma trajetória familiar que lhe abre portas?”, indaga a executiva. Hoje, diretora sênior de produção da VIS Américas, divisão internacional da ViacomCBS, ela destaca a sala Narrativas Negras nessa jornada. Financiada pela Paramount, a iniciativa reúne roteiristas dedicados a trazer histórias com esse olhar diverso e inclusivo. Eles criam os projetos, os desenvolvem e fazem o pitch para o time de desenvolvimento, que elenca os de maior potencial para realização. 

Estamos olhando para o mercado de outra forma. E essa é a grande vitória. Mais pessoas estão atentas e começam a se posicionar. Glória Maria, que recentemente foi sabatinada no “Roda Viva”, ao ser questionada se era cobrada a se colocar contextualizou sua trajetória. “Só de ser quem eu sou? Não tem posicionamento maior do que esse”, disse ela, que é o maior nome do telejornalismo feminino no país. “Se muita gente hoje está conseguindo se manifestar com relação ao racismo é porque titia Glória tá aqui. O racismo está aí. E não vai acabar nem na geração cinco vezes depois das minhas filhas. A gente tem que aprender a usar a nossa alma, nossa inteligência e nossa cultura pra tentar acabar com ele da maneira que cada um de nós conseguir. Porque se ficar cada um lutando contra o outro, não vai chegar a lugar algum”, enfatizou.

Como executivos, nós precisamos ter nomes para sugerir. Não é parte do trabalho, mas ao mesmo tempo é. É assim que a gente amplia o espectro de profissionais. Se estamos num lugar em que possamos propiciar isso, nós somos os agentes de transformação

Ter mais gente nessa luta também é fundamental para vislumbrar mudanças efetivas. Para Maria Ângela, cabe a cada um de nós também cobrar diversidade. “Como executivos, nós precisamos ter nomes para sugerir. Não é parte do trabalho, mas ao mesmo tempo é. É assim que a gente amplia o espectro de profissionais. Se estamos num lugar em que possamos propiciar isso, nós somos os agentes de transformação. Não estou dizendo que é simples. Quando estamos fazendo uma produção enfrentamos uma série de questões desafiadoras. Mas o compromisso deve passar também por aí”, esclarece. E finaliza: “Eu sou otimista. A indústria começa a ter outra percepção. Não é uma questão de ajudar, ‘ser bonzinho’, mas de abrir oportunidades justas. Começamos a sair da nossa bolha de convivência, que vinha de uma tradição de uma classe social mais alta para um convívio cada vez mais democrático. Ainda não chegamos lá, sabemos disso, mas esse é um caminho sem volta. Não tem como recuar.” 

 

Natália Albertoni adora fazer perguntas, contar histórias e conectar pessoas. Jornalista, meio camaleão, é coordenadora de Comunicação e Marketing da Hysteria e da Conspiração, a produtora latino-americana mais indicada ao Emmy Internacional

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