Como falar de tendências para o Brasil

É preciso tropicalizar os movimentos que vêm de fora para indicar com precisão os comportamentos do futuro

08.08.2018  |  Por: Rebeca de Moraes

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Como falar de tendências para o Brasil

Meu assunto aqui é futuro, conversar com vocês sobre comportamentos emergentes, que estão por vir. Quando acabo de conhecer alguém e conto que trabalho com tendências, sinto que fui instantaneamente empurrada alguns degraus acima na escala de chiqueza da pessoa. É um assunto que ganhou um verniz luxo, poder e riqueza. É cool ser futurista, tendenceiro. Mas vamos combinar que o jogo virou pra mim: em 2018, falar de futuro é um negócio tão cool quanto fonte de tensão e angústia.

Ano de Copa do Mundo (ufa, ainda que mal, por essa já passamos!), das eleições mais imprevisíveis dos últimos tempos, e de economia capenga. Poucos ingredientes são capazes de provocar uma angústia coletiva tão latente. Porque a nossa sensação é de que o futuro é um negócio que vai cair do além nas nossas cabeças. Ou de que se trata de um cenário hipotético com inovação pra lá, tecnologia pra cá, que eu vou te descrever e você vai ficar aí do outro lado boquiaberto, admirado.

Não é nada disso. O futuro não é nem algo absolutamente descolado da realidade, nem o mundo cor de rosa que alguns relatórios de tendências pintam pra gente. O futuro inclui o hoje, inclui você, e depende do que a gente aqui no Brasil é capaz de fazer dele.

Não dá pra pensar o futuro sem pensar o presente, ou trazer uma tecnologia nova, uma inovação que vem de fora, sem pensar como costurá-la com o que a gente já tem. O que a gente tem aqui dentro é muito poderoso e não pode ser deixado de lado. Como sair dizendo que o minimalismo (aquela ideia do filme da Netflix Minimalismo: Um Documentário Sobre As Coisas Importantes, com pessoas que seguem um estilo de vida que nega o consumo) vai pegar no Brasil, onde grande parte das pessoas se inseriu na sociedade por meio do consumo? O próprio empoderamento feminino, forte no mundo todo, só pode ser pensado pela via da interseccionalidade em um país diverso como o Brasil.

Mas pra nossa sorte, misturar o que vem de fora com o que tem aqui dentro, ou tropicalizar, é uma coisa que a gente faz muito bem há muito tempo. No final dos anos 1960, um bando de jovens músicos se juntou para fazer um trabalho que dizia ao mundo que era preciso refundar a música brasileira. Criar uma nova lógica de fazer arte em meio à tensão que pairava pós-golpe militar. Era uma tentativa de resgatar o nacionalismo, explicar um Brasil abrangente e feito de múltiplas referências, de Oswald de Andrade na Semana de Arte Moderna de 1922 a Carmem Miranda, e de poder contar com essas raízes em vez de só enaltecer o que vinha de fora. Era o começo do Tropicalismo, com Torquato Neto, Caetano Veloso, Gal Costa, Gilberto Gil, Os Mutantes e Tom Zé.

Na época, Gil estava maravilhado com o recém-lançado disco Sgt. Peppers Lonely Hearts Club Band, dos Beatles. Reconheceu ali uma espécie de mashup de influências: o folclore irlandês, a sonoridade indiana, elementos da música erudita, e passou a pensar sobre como criar um processo criativo equivalente no Brasil. Enaltecer o que era genuinamente tupiniquim, sem fechar os olhos para o que vinha do universo pop internacional, e se misturar com o estrangeiro.

Oswald de Andrade, no Manifesto Antropofágico de 1928, já dizia: devorar as referências estrangeiras, digeri-las e aprender com elas. É disso que são compostas as tendências no Brasil, da mistura dos movimentos que vêm de fora com o que nós, aqui dentro, conseguimos fazer disso. Uma costura entre dentro e fora. Por isso, só são possíveis pra cá tendências que dão conta de abarcar as tensões e inseguranças do nosso hoje no Brasil. E isso, em 2018, é o que não falta por aqui.

 

Rebeca de Moraes é jornalista e diretora da consultoria Aurora, que tropicaliza tendências estudando movimentos de consumo e de comportamento para o mercado brasileiro

 

1 Comentários

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Uma resposta para “Como falar de tendências para o Brasil”

  1. Giuliana Bastos disse:

    Genial essa visão. Concordo. Leio vários relatórios de tendências e muitas vezes parecem tratar de outro planeta. Ansiosa para conhecer o trabalho da Aurora! Sucesso!

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