Como se libertar de uma doença incurável
Foi no momento em que parei de lutar contra o vitiligo que a metamorfose aconteceu
23.04.2018 | Por: Bruna Sanches
Há 13 anos, meu mundo desabou no instante em que meu médico disse friamente: “Isso é vitiligo.” A pequena mancha no canto da boca determinava que a partir daquele momento eu não teria mais controle sobre a minha pele e precisava lutar contra uma doença sem cura. Me parecia uma luta inglória. Aliás, a frase “doença sem cura” é aterrorizante.
Daí em diante, as lesões foram se espalhando. Aos poucos, mas visíveis. Nos primeiros anos depois do diagnóstico, já tinha marcas na boca, nas mãos, nos joelhos, nos pés e na barriga.
Recorri a muitos tratamentos caros e dolorosos. Mas a melhora era nula ou muito sutil, sempre insuficiente para elevar minha autoestima, ou aplacar minha tristeza. Curiosamente, a primeira “melhora” surgiu quando uma amiga pediu para fotografar minha mão apoiada numa jabuticabeira linda, pintada como eu. Aquele instante de amor e beleza foi o gatilho para um mundo novo se abrir. Eu, que sempre amei fotografia, estava diante de um tema novo para explorar. Claro que a foto em si não mudou as manchas na pele. Mas algo em mim começava a enxergar o mundo de forma diferente.
O exercício de registrar meu corpo e minhas manchas tornou-se encantador e divertido, e foi se transformando. Aos poucos criei um acervo de fotos poéticas cheias de amor e verdade. As manchas, que continuaram em constante movimento, já não me causavam mais tristeza nem desânimo. Essa melhora, acreditem, é muito significativa. Respeito a si mesmo é um santo remédio.
Mas no mundo lá fora, longe dessa arte tão minha, não havia tanta leveza. Eu tinha machas, e as pessoas as viam… E eu só queria não tê-las. Foi quando descobri que existia uma cirurgia para remover a pele de uma área do corpo sem manchas e enxertar onde não tem pigmento (as manchas). Ansiosa para vencer a doença fiz todos os exames, marquei a cirurgia, avisei o chefe, e achava que estava pronta para uma nova fase da vida.

Mas, faltando dois dias para a cirurgia, comecei a me questionar. De repente, me dei conta de que a única certeza em fazer o procedimento era que iria, mais uma vez, me machucar. E eu não aguentava mais me ferir. Naquele momento, minha busca pela cura acabou, e na mistura de sentimentos entre desistir e aceitar veio a metamorfose.
Escrevi então um desabafo no Facebook, em que dizia pra mim e pro mundo que não iria mais me machucar, e que a partir daquele instante eu me aceitaria como sou. A resposta das pessoas foi tão positiva, e o apoio tão grande, que, preenchida de amor e coragem, decidi criar o blog Minha Segunda Pele, para dividir com quem quisesse ler a minha experiência com o vitiligo. Pela primeira vez eu estava disposta a abrir meu coração e reviver cada história. Isso teve um efeito impressionante sobre mim mesma. Pode até parecer estranho, mas hoje me sinto grata à vida por ter me dado essa doença. Porque ela é parte de mim, do que eu sou e me ajuda a me respeitar sem pôr e nem tirar, sem querer mais ou menos, sem me cobrar.
Deixei entrar o olhar doce de algumas pessoas e me contagiei. Porque, sim, não é pena. É doçura. É tão libertador quando a aceitação vem de dentro. Eu me aceito, existo de forma segura, e assim o mundo me aceita também, como um espelho. O preconceito, se existe, não me afeta mais, porque já o venci dentro de mim.
Fazer algo belo com minhas manchas acalmava meus anseios e me encorajava. Isso me fez mais forte, segura e bonita. E sem dúvidas hoje amo minha pele, adoro ser fotografada e me expor. Isso me ajuda não só na aceitação do vitiligo, mas a me amar do jeitinho que sou.
Bruna Sanches é editora de arte e divide seu tempo entre revistas, fotografias e trabalhos manuais. Tem vitiligo desde o 18 anos e hoje tem orgulha da pele que habita
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