Dá pra trocar sexo por chocolate?
Um passeio pelo cérebro para entender como os diversos prazeres funcionam e se é possível substituir um pelo outro
06.09.2018 | Por: Helga Marquesini Futuro do Sexo
Pode não parecer, mas o prazer está no cérebro. Como já vimos neste texto, a ativação de vias nervosas por estímulos dos nossos sentidos (tato, olfato, paladar, visão, audição) leva a informação ao órgão, e ali ela é processada para que o prazer (sexual ou qualquer outro) seja experimentado.
Pesquisas já mostraram que para algumas pessoas é mais fácil ficar sem sexo do que sem chocolate, ou mesmo substituir sexo por chocolate. Se isso é possível, então por que será que, de modo geral, gastamos nosso tempo no Tinder e não na doceria?
Vamos aos pormenores: os trajetos dos impulsos nervosos cerebrais relacionados a sentir prazer e também à decisão de agir (ou não) para obtê-lo passam pelo que chamamos de “Sistema de recompensa”, e a principal substância envolvida nesse sistema é o neurotransmissor dopamina. Uma experiência que nos deixa bem e recompensados fica quimicamente gravada, e esse sistema é o responsável por querermos repetir a dose quando achamos algo legal.
Quando o mundo nos dá a sugestão – por exemplo colocando aquele chocolate maravilhoso no nosso caminho –, o cérebro imediatamente o associa com o prazer que ele nos proporciona. E, assim, pode deflagrar a nossa urgência para satisfação. Esse mecanismo funciona em várias situações. Vale para sexo, comida e até drogas, podendo gerar uma urgência gerando a necessidade de satisfação daquele impulso. Interessantes experimentos com ratos mostram que pode ser possível manipular a ativação dessa via, por exemplo, bloqueando a fissura.
Prazer e outros ingredientes
Daí vem a pergunta: a semelhança na sinalização aos nervos faz com que prazer seja tudo igual? Seriam sexo e chocolate intercambiáveis? Comparemos os ingredientes. No chocolate: prazer, açúcar, gorduras, cacau, leite. No sexo: prazer, corpo, relacionamento, amor, sentimentos, tabu, gravidez. Qual “tabela nutricional” te fez mexer mais aí na cadeira?
A revolução sexual das décadas de 1960 e 1970 – com a pílula anticoncepcional, a abertura para se falar de sexo, as terapias psicológicas – trouxe instrumentos e maneiras “novas” de ver a questão sexual e posicionamentos amorosos. Os avanços médico-tecnológicos também trouxeram novas perspectivas, ao deslocar a reprodução do quarto para o laboratório (fertilização in vitro, armazenamento de gametas e embriões). E assim, o sexo se tornou algo mais do que a tecnologia que a vida usa para permanecer no planeta.
Com todas as frentes que assumiu, o sexo se tornou um equilibrar de pratos na tarefa de lidar com todas as variáveis que traz: o prazer ligado ao ato, a reprodução, a relação com o outro, a discussão sobre papéis de gênero, dentre outras.
Mesmo que aparentemente frentes dissociadas pareçam existir, todas se complementam, se modulam e são contribuidoras diretas do prazer em estarmos vivos. Podemos dizer com tranquilidade que gerar uma vida e ter prazer podem ser vistos sob prismas diferentes, mas todos fazendo parte de algo maior: o sexo. Nesse sentido, vejam só, o sexo não só traz prazer, mas abarca, permeia e é parte importante da nossa pulsão de vida.
A sexualidade – com toda a sua grandeza – faz parte de como nos vemos e da maneira com que interagimos com o mundo. Por isso, talvez, o chocolate, com seu prazer pontual, não pode substituir, mas sim complementar o sexo na alegria de viver.
Helga Marquesini, médica ginecologista e obstetra pela USP, com pós-graduação em Sexualidade Humana, é consteladora sistêmica e especialista na TalkB4 e no Futuro do Sexo, onde este texto foi originalmente publicado
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