De Anitta a Lena Dunham: um elogio ao erro na era da superexposição

Num mundo em que as personas das redes sociais são calculadas nos mínimos detalhes, equívocos sinceros podem ser uma virtude

22.05.2018  |  Por: Maria Clara Drummond

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De Anitta a Lena Dunham: um elogio ao erro na era da superexposição

Lydianne Carney/Piscina

Lena Dunham disse através do seu alter-ego que acreditava ser a voz de uma geração. Para o bem e para o mal, ela estava certa. Num universo de selfies e autopromoção, Lena Dunham é a epítome da superexposição, hiperativa em todas as redes sociais, muitas vezes cometendo erros crassos. Como fã, muitas vezes tenho vontade de pegar em seus ombros e repetir o que diz aquele meme: “Amiga, assim eu não tenho como te defender!” Nos últimos anos, Lena já intercedeu a favor um amigo acusado de estupro, já declarou que gostaria ter passado pela experiência de fazer um aborto, já devolveu um cachorrinho que havia adotado meses depois de ter escrito um ensaio sobre a adoção para a New Yorker, já apareceu sem ser convidada na foto oficial do movimento feminista Times’s Up.

Em suma, Lena Dunham é sem noção, equivocada, oportunista. Mas, além de ser uma celebridade sujeita ao julgamento de milhões de pessoas, Lena Dunham é uma artista. Ao meu ver, de alguma forma ela subverte a carência por fama que acomete a contemporaneidade. Desde o início de Girls, Lena era criticada por exibir seu corpo nu em todas as perspectivas, em todos os episódios, às vezes gratuitamente. O público conservador ficou ultrajado que uma mulher gorda pudesse se mostrar tão à vontade com seu corpo e sexualidade. A maneira despudorada com que lida com os piores ângulos do seu físico é análoga ao seu excesso de opinião que mostra os piores ângulos de sua personalidade. Muitas vezes, Lena reconhece seu erro e pede desculpas. É como se sua persona fosse um experimento contínuo sobre a opinião pública, em tempo real.

O que preocupava as celebridades não era a falta de privacidade, e sim a falta de controle, e as redes sociais solucionam isso, propiciando uma superexposição controlada, para que o resultado seja o mais unânime possível

Isso é uma verdadeira superexposição. No universo das celebridades, é realizada de maneira rara. Antes, os paparazzi perseguiam as celebridades em busca de um clique que revelasse mais que as declarações oficiais em entrevistas: como é o corpo de biquíni sem Photoshop, quem é o novo namorado ainda não oficializado, com que roupa determinada atriz vai à academia. As celebridades reclamavam que isso era uma invasão de privacidade. Hoje, sabemos que privacidade não é exatamente a questão, já que elas mesmos se expõem: a rotina, as opiniões, os amigos íntimos, os beijos, os nudes. São dezenas de Stories diários que mostram rotina, festas, desabafos. Com os paparazzis, sempre havia o risco de serem pegas num flagra, num erro de conduta: uma traição, uma bebedeira, uma celulite. O que as preocupava não era a falta de privacidade, e sim a falta de controle, e as  redes sociais solucionam isso, propiciando uma superexposição controlada, para que o resultado seja o mais unânime possível. O resultado são personas públicas cada vez mais pasteurizadas. Ou, no máximo, feitas sob medida para determinado nicho. Não muito diferentes de um restaurante vegano orgânico sem glúten bike-friendy.

Quando Marielle foi assassinada, fãs cobraram um posicionamento da cantora Anitta, que enfim escreveu um texto bastante confuso, que parecia não ter a dimensão do acontecimento. Ao receber as críticas, Anitta apagou o texto e colocou apenas um emoji de coração partido. Depois, apagou tudo. Mesmo com várias provas documentadas da sua despolitização, o público ainda assim deseja um posicionamento político que o momento pede, e desastrosamente a cantora tenta atender a essa demanda. No texto original, Anitta diz que iria escrever depois que refletisse a respeito. Isso me parece emblemático.

O clipe Vai, Malandra foi considerado um lacre pela esquerda, que vibrou com a negritude assumida, a volta às origens periféricas, a celulite que mostra empoderamento. Mas foi um statement político que demorou meses a ser elaborado nos mínimos detalhes — como a placa do mototáxi com o projeto de lei que criminaliza o funk. Foi feito não só para agradar a esquerda, as feministas e o movimento negro, como também o público geral que gosta de rebolar de shortinho. A mensagem política que porventura o clipe transmite não passa de um marketing — como aliás é quase toda mensagem política envolta em um produto. Afinal, celebridades desse porte são mais pessoa jurídica que pessoa física.

A maioria das celebridades aposta num posicionamento correto e inócuo, mais a linha Anitta que Lena Dunham. Mas as palavras emocionadas que escrevem em suas redes sociais me soam desprovidas de emoção e sim cheias de vaidade e carência

Recentemente, o Buzzfeed fez uma reportagem que questiona se não seria apenas marketing o discurso feminista de Anitta — soa um tanto ingênuo acreditar em expressões genuínas de uma superestrela a essa altura do campeonato. Talvez o público que cobra uma maior politização da artista queira que ela siga os rumos da Beyoncé, que parece ter mais leitura teórica sobre os assuntos que são tema de seus shows, ou talvez o público se contente com meia dúzia de Stories com frases batidas sobre a comoção do momento. Ou talvez tenha quem acredite que seja bom ter uma artista de grande calibre como uma aliada na guerra cultural entre direita e esquerda. De qualquer forma, Anitta tem todos seus passos calculados, e só se atrapalhou porque a manifestação precisava ser imediata. Se tivesse postado um emoji de coração com um retrato de Marielle, teria agradado a gregos e troianos, mesmo que nunca antes tenha ouvido falar da vereadora. Não seria genuíno, mas o que importa tanto para o artista quanto para o público receptor, é agrado.

A maioria das celebridades aposta num posicionamento correto e inócuo, mais a linha Anitta que Lena Dunham. Mas as palavras emocionadas que escrevem em suas redes sociais me soam desprovidas de emoção e sim cheias de vaidade e carência. Por isso, mesmo que eu saiba a cor de suas calcinhas, continuam me soando como produtos. Talvez Lena Dunham também seja tudo isso, mas seus equívocos me parecem vir de algum lugar verdadeiro dentro dela, que generosamente se desnuda a nós. Ao contrário de Beyoncé, Lena Dunham não é #flawless, e ela não tem medo de expor essas falhas, tropeços e aprendizados. E, em tempos em que o imperativo é a perfeição, isso é uma virtude.

2 Comentários

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2 respostas para “De Anitta a Lena Dunham: um elogio ao erro na era da superexposição”

  1. Luana disse:

    Acho meio redutor colocar toda a questão na conta do racismo. Ou mesmo do machismo(poderíamos ler por esse lado também) , afinal temos Rihanna e MIA por exemplo, ambas não brancas, com uma atitude muito mais “a la Lena” do que “a la Anitta”. Partindo do ponto que ja sabemos viver numa sociedade intrinsecamente racista , creio q existem muitos outros fatores concorrendo pra comportamentos em redes sociais e mesmo expressões artísticas , a começar pela escolha pessoal, pela politização, pela ideologia, vivência e entendimento de mundo da pessoa . Talvez o privilégio de Lena , Rihanna, MIA e Beyoncé em relação a Anitta seja de não serem brasileiras..

  2. Bruna Fonseca Fonseca disse:

    Primeiramente vale a ressalva de que não conhecia Lena Durnham. Fiz um “google” e fiquei um pouco mais a par. Minha intenção nesta resposta não é medir o grau da fama das citadas, mas imagino como você, analisar como estas mulheres lidam com isso nas redes sociais.

    Lendo seu texto refleti sobre racismo. Explico: no caso de Anitta, vinda da periferia e assumindo para si as rédeas de seu sucesso se parecer cada vez mais branca é vista conscientemente ou não como uma oportunidade de ser aceita na mídia brasileira de discurso racista velado e pelo público cada vez maior, que ainda prega o mito da democracia racial. Diminuir o estilo funk em nome do “pop” faz parte do processo, ainda que eventualmente faça alguma referência calculada, como vc mesma escreveu, para afagar os movimentos de esquerda. O citado clipe “Malandra” nada mais foi do que um episódio caricato disto em que ela busca, na realidade e para a maioria despolitizada, – justamente o contrário que algumas esquerdas mais ingênuas e carentes de representatividade acreditaram.O clipe não passa de uma tentativa de afastar-se de suas origens ao invés de homenageá-las. Ela não se veste assim, ela não usa tranças, talvez nunca tenha usado. Ela sempre buscou o embranquecimento, em suas inúmeras cirurgias, em seus relacionamentos… Beyoncé, tem uma visão politica de suas origens e isso aparece nas suas letras, genuinamente. O que ambas tem em comum é que, como vítimas do racismo, suas aparições públicas precisam ser super calculadas, estudadas. Do contrário, os “haters” não as ofenderiam “apenas” por suas condutas mas tambem por suas condições de origem. O privilégio de Lena Durnham é a possibilidade do erro que tanto a despolitizada Anitta e a militante beyonce não poderão ter nas suas vidas, mesmo com os milhões que acumulem. Lena é branca, Anitta( mesmo que tente esconder) e Beyonce não são.

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