Deusa abençoe o rolê: testamos um cineminha ‘drive in’

Como foi nossa primeira vez numa pré-estreia dentro de um carro em São Paulo – será esta uma paixão de quarentena ou um amor que veio (ou voltou) para ficar?

03.09.2020  |  Por: Natália Albertoni

image
Deusa abençoe o rolê: testamos um cineminha ‘drive in’

Confesso: tenho dado umas escapadinhas. Já fiz piquenique na pracinha e comi sonho no terraço de um supermercado imaginando o mar no lugar dos prédios. Passeei com a cachorrinha da minha amiga na rua – e até caí, porque resolvi correr junto com ela. Mas meu primeiro rolê mesmo, depois que iniciamos este período que deve ficar conhecido como aquele que não aconteceu, foi ir ao cinema. Mais especificamente a um drive in.  

Tem gente que acha cafonérrimo. Eu amei. Acho que nutria a expectativa de viver essa experiência desde que assisti, nos anos 90, a Olivia Newton-John dar uma bota no John Travolta em Grease (Randal Kleiser, 1978), quando ele tentou dar uns amassos nela no carro, justamente, durante uma sessão de cinema ao ar livre. Em 2020, ainda em meio a pandemia, não rolou coreografia, claro, nem tanto glamour a bordo de um conversível com estofado de couro. O cenário do Drive In Paradiso, que exibiu filmes nacionais durante quase todo o mês de agosto gratuitamente, foi o estacionamento da Assembleia Legislativa em São Paulo. Tinha uma lua cheia bela compondo o visual. E umas luzes desnecessárias, meio de padaria sem amor. 

A minha companhia para esta vivência que eu nem sabia que sentia saudades foi uma amiga. Igualmente entediada, ela já nem esperava coisa alguma do seu sábado à noite quando a surpreendi com o convite. Ela nem pensou muito, veio pra minha casa, mascarada, e, então, partimos de carro em direção aos arredores do parque Ibirapuera. Chegamos uma hora antes da sessão começar, seguindo as recomendações da organização, que teve apoio da SPcine e do Cine Autorama. Porque sim, rola fila pra entrar, como num cinema “normal”. Só que é uma fila de carros. E, como não há lugar marcado, chegar antes significa quase escolher aquela poltrona central, bem no meio da sala, sabe?   

Eu estava tão ansiosa pra só chegar, que nem me liguei que dava pra comprar comidinhas previamente e retirar na entrada. Tinha uma fila separadinha só pra isso – de carro também, bem drive-thru do McDonald’s. Mas tudo bem. Porque eu levei comigo as minhas bolachinhas favoritas, o que foi ótimo, já que gastei ainda menos. Neste caminho até a entrada, além de pedirem os ingressos, que apresentamos no celular mesmo, os atendentes mediram nossa temperatura à distância, através da janela semi-aberta. Tudo certo. A próxima surpresa foi descobrir que o som do filme seria sintonizado pelo rádio do carro. Então, pra quem tava na dúvida, o som é ótimo. A não ser que, enfim, o seu rádio seja muito ruim. 

A programação dessa iniciativa do Projeto Paradiso e da Secretaria Municipal de Cultura de São Paulo foi da Marina Person, que logo surgiu no rádio – e na telona lá na frente – falando sobre o que veríamos naquela noite. Para abrir a pré-estreia de Pacarrete, ela bateu um papo virtual (gravado, só pra deixar claro) com o diretor do filme, Allan Deberton, que nos contou um pouco da sua inspiração para criar essa personagem tão peculiar quanto encantadora, vivida maravilhosamente pela atriz Marcélia Cartaxo. 

Pouquinho antes de a sessão começar, ainda deu tempo de testar o banheiro. O processo era: ligar o pisca-alerta, ser resgatada por um dos monitores, também mascarados, que controlavam o acesso às cabines para nunca ter fila de gentes à porta. Depois, álcool gel na saída e escolta no retorno ao veículo. Quando o filme de fato começou, uma pessoa num carro vizinho tava no meio de uma DR no telefone, bem sem noção. Mas não demorou muito até ficar tudo em paz. Eu me mexi um pouco no banco, pra frente e pra trás, para achar o melhor ângulo, que talvez não exista como na sala de cinema. Porque tem as estruturas internas do carro, que podem atrapalhar. Mas isso também, depois de um tempo, se apaziguou. Faz parte.

E será o drive-in um amor de quarentena ou daqueles pra ficar? Ainda não sabemos. Por enquanto, no Brasil, o Drive-In Brasília está na liderança de público. Segundo o Filme B, na última quinzena de agosto foram arrecadados R$ 36,7 mil na unidade, por exemplo. Enquanto não sabemos o futuro, os especialistas ponderam que tudo depende: se no local onde o drive-in está instalado há uma cultura de sair de carro ou se ele está instalado próximo a um cinema tradicional, que sugará o público assim que for reaberto. Nos Estados Unidos, mesmo com a reabertura das maiores cadeias de exibição (AMC, Regal, Cinemark), eles seguem liderando a renda. 

Voltando àquela noite na Assembleia Legislativa, a minha sensação era meio de voltar a ser uma criança indo para qualquer lugar pela primeira vez. Mas eu sou meio dessas pessoa que tem um particular alumbramento com coisas simples. Então, me diverti até preparando um look pra ficar dentro do carro. E posso dizer que, para mim, no fim, foi tudo meio mágico. Fora isso, me ver cercada de tantas pessoas, mesmo que cada um no seu retângulo, literalmente, me deu uma breve sensação de reconexão com o mundo. Não posso prometer que será assim para você também. Mas, ainda assim, recomendo.

 

0 Comentários

Comentar

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Deixe uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *