É possível ser bonita e engraçada?
Brilho, riso e prazer: reflexões sobre o corpo feminino cômico
27.07.2020 | Por: Las Panamericanas
O que pode o corpo de uma mulher? Quais limites trazemos introjetados pelo patriarcado em nosso dia a dia dos quais podemos nos libertar? É possível ser bonita e engraçada? É possível ser, ao mesmo tempo, bonita, engraçada, ridícula, desejável, não desejável, grotesca? É possível ser tudo isso, coberta de brilho, glamour e alegria? Essas são algumas das perguntas que sempre nortearam o fazer artístico de Las Panamericanas, nosso grupo de mulheres cômicas-palhaças-burlescas e muito mais.
Ao longo da História, as mulheres enfrentaram as mesmas dificuldades de inserção no mercado da palhaçaria tradicional que acompanha a história das mulheres em todas as profissões. Neste universo regido inicialmente pela lógica e pela atuação masculinas, mulheres cômicas e palhaças procuraram se reinventar, trazendo para a cena um novo repertório e novas formas de existir, através de seu ofício. Esse processo segue vivo até hoje.
Já o burlesco, outro norte comum, é uma arte que por si só traz a contestação de vários clichês da nossa sociedade e isso é uma das coisas que mais nos encantou quando entramos em contato com esse universo. Primeiro, porque ele prova que todos os corpos podem ser sensuais, desejados, não só aqueles dentro de um padrão de beleza pré-estabelecido.
Quando uma mulher se olha no espelho sem ver o que falta, se despindo da (auto)censura que o patriarcado nos embutiu desde sempre, e flui dentro do seu corpo é absolutamente libertário. Além de ser lindo ver uma mulher gorda, feliz e satisfeita com o seu corpo fazer uma plateia diversificada babar diante de todo o seu poder e sensualidade (e morrer de rir – porque se identifica), isso tem uma função social revolucionária. Quando uma mulher rompe um padrão, ela carrega todas as outras mulheres junto, para aquele novo patamar de consciência.
Ou seja, nesses dois universos encontramos a mola propulsora para ser exatamente quem se é, aceitando tudo: nossos corpos, nossos desejos, nosso humor, nosso ridículo, nossa sensualidade, nossa mania de grandeza, nosso desejo de luxo e nossa bagaceira. Não fomos as primeiras, seguimos um caminho já desbravado por mulheres inspiradoras como Elvira Pagã, Bette Midler, Lucille Ball e muitas outras.
O feminino não precisa da sensualidade para garantir o seu lugar, mas ao mesmo tempo se dá o direito de usar muito da sensualidade, quando quer e porque quer
Las Panamericanas é a mistura de tudo isso, gerando uma explosão e potência do feminino, que não precisa da sensualidade para garantir o seu lugar, mas que ao mesmo tempo se dá o direito de usar muito da sensualidade, quando quer e porque quer. E até mesmo de subverter a sensualidade, o belo. Usamos no espetáculo muitas vezes um mecanismo de começar na beleza pra depois revelar o grotesco, o feio, o ridículo, causando na plateia gargalhadas que comprovam a eficácia do “método”.
O grupo surgiu em 2017, mas a sensação é de que já andávamos juntas há muito mais tempo, mesmo sem saber, ligadas pelos fios nada invisíveis das nossas pesquisas individuais. Por outro lado, as nossas diferenças também instigavam o encontro e serviram de base sólida para para explorarmos nossas inadequações – que são, e já sabíamos, parte essencial do nosso encanto.
Quando nosso encontro efetivo se deu, nos dedicamos inteiramente a uma investigação conjunta sobre as possibilidades de comunicação com o público através de figuras cômicas femininas que fossem ao mesmo tempo lindas e reveladoras de toda a nossa verdade.
Em pouco tempo, depois de muito trabalho, plumas e espirros (somos todas alérgicas, também temos esse elo comum), nascia Las Panamericanas. Começamos apresentando nossos números em festivais de comicidade feminina de todo o Brasil e depois construímos o espetáculo Las Panamericanas – Grandes Sucessos de Ontem, Hoje e Sempre.
Apesar das múltiplas referências que trouxemos de nossos caminhos individuais, um ponto em comum sempre norteou o trabalho: a palhaçaria feminina. Nós usamos o erro, a falha, a sexualidade, a sensualidade, as características físicas, os sonhos, os delírios, para construir uma comicidade identitária e libertadora dos padrões vigentes impostos.
Acabamos de ter nosso trabalho reconhecido pelo Prêmio do Humor, no qual fomos vencedoras nas categorias Melhor Espetáculo do Ano e Prêmio Especial pela Pesquisa em Palhaçaria e Burlesco. Felicidade gigante! Não apenas pela alegria de vermos nosso trabalho reconhecido, mas também porque a importância de um grupo de mulheres cômicas vencerem um prêmio de humor é enorme para todas aquelas que estão buscando um caminho mais original, mais sintonizado com a essência feminina.
Sem previsão para voltar aos palcos por conta da pandemia, criamos um novo projeto, com estreia mundial virtual prevista para breve. Vem aí Os Maiores Apocalipses da História Segundo Las Panamericanas, proposta contemplada pelo edital Cultura Presente da Secretaria de Cultura do Estado do Rio de Janeiro. Trata-se de uma série de vídeos em que damos a nossa visão muito particular de algumas das maiores pandemias e momentos apocalípticos que o planeta já viveu, como a peste negra, a gripe espanhola, as previsões de fim de mundo e a extinção dos dinossauros. Tudo com muito glamour, deboche, brilho… e o desespero característico de quem já viveu um apocalipse.
Uma das últimas frases que dizemos em nosso espetáculo (quando estamos vestidas de sereias e pinguins, por sinal) é: “Prazer e alegria são a revolução.” Acreditamos completamente neste lema e ele conduz toda a nossa criação, tanto que começamos e terminamos falando dele. Mulheres livres, felizes, que sentem prazer podem revolucionar o mundo. Vem com a gente?
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