Empreender é um parto, e dói
São infinitas as razões pelas quais mulheres incomodam, ainda mais na liderança
08.06.2021 | Por: Sil Curiati
Lá nos idos de 2018 eu li um artigo em uma revista americana que dizia que “em 2018 não há nenhuma razão possível ou imaginável, biológica ou qualquer que seja, que justifique homens terem mais poderes que mulheres”. Tem como não concordar com isso? Não tem. Tem como argumentar? Ah, argumentadores argumentarão.
Vai ter gente questionando o fato de mulheres terem filhos e precisarem cuidar deles, e por isso, irão se dedicar menos (porque o pai não precisa cuidar, né?). Outros podem dizer que mulheres são mais emotivas, e por isso menos aptas a cargos de liderança (porque emoções não entram no mundo dos negócios, sei…). Há ainda aqueles que vão se incomodar com o tom da voz feminina, com pernas aparecendo sob as saias, com o bumbum que todo mundo tem mas o dela provoca, com maquiagem que ela não usa, com o batom inapropriado, com cabelo porque é curto, porque é comprido, porque é grisalho, com o telefonema da escola que ela atendeu, com o filho dela que precisa ser levado a uma consulta, com como ela chegou nesse cargo e blablablá.
São infinitas as razões pelas quais mulheres incomodam, ainda mais na liderança.
O mundo corporativo é muito duro e cruel e nós tivemos que aprender a navegá-lo para sobreviver e crescer. Várias mulheres com quem trabalho ajudando suas carreiras verbalizam essa frustração e comentam o quanto teria sido melhor terem seguido um sonho de infância e empreendido, por exemplo.
Eu adoro explorar essa questão, pra entender de onde vem a ideia de que teria sido mais fácil e mais promissor ser empresária. Porque não é. É mais uma daquelas lendas urbanas que junto com todas aquelas sobre o que você não pode fazer quando está menstruada foram criadas para assombrar nossas vidas e nos afundar em sentimentos de culpa eterna.
No Brasil o número de mulheres empreendedoras é próximo ao número de homens, e só vem crescendo. Curiosamente, pesquisas mostram que em geral elas têm maior escolaridade e são a maioria quando se trata de empreender por necessidade. Essa informação me pegou: não estão realizando um sonho, estão tentando sobreviver. Não é uma gravidez planejada, desejada, com um parto natural perfeito. É ter que parir um filho e cuidar dele sem sequer ter transado.
Quando conversamos sobre empreendedorismo, o cenário ideal é sempre aquele da realização de uma visão. Sonhava em ter uma escola de dança. Sonhava em ter uma consultoria. Sonhava…
E apesar de terem recebido mais educação, elas precisaram empreender porque não tiveram outra chance. Como empreendedoras, líderes do próprio negócio, passaram a enfrentar obstáculos importantes, como o fato de terem uma média de rendimento menor que a dos homens empreendedores e maior dificuldade para conseguir crédito, para citar alguns.
Quanto mais mulheres existirem no board de grandes empresas, mais oportunidades terão as pequenas empresárias
Aqui nos EUA não é muito diferente. Em 2018, mulheres empreendedoras receberam apenas 2,2% dos US$ 130 bilhões investidos – e para ilustrar: uma empresa que faz cigarros eletrônicos, fundada por homens, recebeu sozinha US$ 12.8 bilhões desse bolo.
Isso acontece por diversos fatores, normalmente ligados a preconceitos, estereotipagem e abuso. A maioria dos investidores ainda é masculina, e com dinheiro na mão, eles dão forma ao mercado em que querem atuar.
Mulheres do mundo inteiro declararam terem sofrido abusos verbais e físicos ao buscarem investimentos para suas empresas. Uma ouviu que “era bonita demais para acusar alguém de assédio sexual”. Outra ouviu que deveria ser muito difícil para ela levantar dinheiro porque homens dissociam inteligência e atratividade. E daí para pior.
Além disso, os negócios de muitas mulheres não são respeitados como válidos em um mundo masculino como este em que vivemos (fazer bolo? Virar costureira? Maquiadora? Mecânica? Não deve entender nada de carro!) e acabam demorando anos a mais para vingar, sem o suporte necessário.
A boa notícia é que redes de apoio têm surgido por aí. Ainda existe mulher que enxerga competição acima de tudo e complica a vida das outras, mas no geral opto por focar naquelas que dão a mão, a dica, a network, o capital.
Não é magia: se mulheres que têm poder e dinheiro se unirem, elas podem se tornar as grandes provocadoras de mudanças, ajudando a tantas outras nas suas trajetórias. Quanto mais mulheres existirem no board de grandes empresas, mais oportunidades terão as pequenas empresárias.
A vida sempre foi assim, não? Aliar gente bacana durante a jornada para ajudar a catar as pedras e pavimentar o caminho.
Fica o convite aqui para que mais mulheres colaborem entre si. As que podem, com investimento e network, elementos essenciais para prosperar. As que não estão nessa posição, podem ajudar seguindo nas redes sociais, curtindo, celebrando, comentando, compartilhando o post da amiga para que mais gente conheça o seu negócio. Juntas, por um mundo com menos abuso e com mais sororidade.
Sil Curiati acredita que deveria haver um lugar especial no inferno para mulheres que sabotam outras mulheres. Publicitária, trabalha em NY e nas horas vagas ajuda mulheres a descobrirem seus super-poderes
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