Eu odeio declarações de amor
Sei que isso parece estranho para alguém que vive de textos, mas elas têm algo daquelas fotos lindas só que supermontadas e cheias de maquiagem
22.01.2019 | Por: Nanda Felix
Paula Costa | Piscina
Toda vez que leio uma declaração de amor perco mais tempo pensando no que não é do que no que é. Sabe aquela máxima de que quando você está feliz você está vivendo as coisas e não tirando fotografias? Pois é. Tem algo nas declarações de amor que me soa uma linda fotografia montada com muito cuidado e bastante maquiagem. Adoro belas fotografias, mas esta imagem paralisada sobre uma relação me deixa aflita. Mesmo as melhores me causam um certo arrepio estranho e acho, só acho, que sei o porquê.
É que, para fazer uma declaração, você precisa acreditar de algum jeito que todas as outras relações não valeram de nada, ou quase nada. Que antes você não era tão feliz, tão amado, tão interessante quanto pelos olhos daquela pessoa. É como se você tivesse que apagar toda a sua história ou diminuí-la para engrandecer o que vive agora. Como se estivéssemos sempre tendo que provar a nós mesmos e ao outro(a) que nunca vivemos algo parecido com aquilo que estamos vivendo agora, enquanto colocamos palavras em folhas de papel ou em telas brancas de computadores, ou simplesmente abrindo a boca para dizer: sou a pessoa mais feliz do mundo ao seu lado.
Eu amo a minha história e meus amores, mesmo os mais esquisitos, os mais malucos, eu amo porque me amo. Amo porque entendo que para ser quem sou e ter o que tenho, precisei passar por todos eles de algum jeito.
Amo cada pedaço de história e memória que eles me trazem, as vezes até as ruins. As mais fracassadas, aquelas que te causam certo desconforto, emudecem tudo. Sinto às vezes até falta delas, não porque gostaria de revivê-las, mas sim porque elas eram vivas e sensíveis. Sinto o cheiro delas, sinto as moléculas delas no meu corpo ainda. Algumas mais apagadas, outras mais luminosas, e se não fosse por elas eu seria de algum jeito uma mesma pessoa diferente.
Não faço declarações de amor por não acreditar que seja melhor estar com esta ou aquela pessoa, mas sim conseguir ser quem sou e partilhar os dias com alguém que queira ser quem é
Para fazer uma declaração de amor preciso estar disposta a amar tudo o que foi antes e tudo o que eu fui antes. Não quero ser melhor com alguém. Não quero que alguém faça dos meus dias uma grande aventura, uma vida nova, um outro olhar sobre mim mesma. Não quero ser mais porque alguém existe. Quero ser eu mesma, quero honrar o meu corpo às vezes machucado, com hematomas visíveis e invisíveis, mas inteiro, de alguém que vive seus amores com a intensidade que consegue.
Quero viver um amor honrando meus erros e acertos, sabendo que é só mais um amor e mesmo assim é único. Quero viver muitos amores porque sou em parte feita disso, dessa matéria estranha e ansiosa que é o amor. E bastante importante, não quero ser a razão da vida de alguém estar melhor, estar mudada, não quero ser o seu grande amor, quero ser um grande amor, não “o”. Já quis, verdade seja dita, já quis ser a Yoko Ono, já quis ser a mulher da sua vida, mas era tudo na folha de papel. Por isso renego os papeis, as palavras, os grandes feitos e aspiro os pequeninos, os invisíveis, os microcosmos suspensos na densidade do ar.
E quando tenho o ímpeto de dizer eu te amo, suspiro esse eu te amo pra dentro de mim, transformo ele em potência de cura pros dias que não vou te amar tanto assim. Tento transformar palavras e me dar de presente o mistério. Não faço declarações de amor por não acreditar que seja melhor estar com esta ou aquela pessoa, mas sim conseguir ser quem sou e partilhar os dias com alguém que queira ser quem é. Estou em processo e a minha declaração de amor pra mim mesma é poder viver amando sem ter que chegar a lugar algum, é seguir os caminhos que me parecem honestos para continuar a caminhar. Sou coberta de amor e pra viver um amor tenho certeza de que carrego comigo todos os outros amores que encontrei pelo caminho. Não há recomeço, há uma continuação do processo de ser quem se é. E que bom que tem gente pelo caminho pra dar a mão, pra ajudar a levantar, pra conversar e lamber na travessia. Que bom que tem gente.
E por mais estranho que pareça para alguém que vive de textos, a minha declaração de amor é não fazer uma, é não mentir pra você nunca mais. Eu me amo mais do que eu te amo e não sou mais feliz porque acordo do seu lado, mas adoro acordar do seu lado. Não sou mais completa por acordar do seu lado, mas que delícia é acordar do seu lado. Não cresci porque acordo do seu lado, mas que lindo é ter você comigo enquanto cresço centímetros e que bom poder ter você enquanto diminuo tantos outros. Antes eu não tinha uma vida e agora outra. A minha vida quem muda sou eu e mesmo, assim ela continua sendo a mesma vida, cheia de buracos e delícias. Que bom que você pode ser muitas vezes uma delícia e tantas outras um buraco, pelo tempo que durar.
Nanda Félix é escritora, roteirista, diretora e atriz. Publicou em 2017 o livro Um País no Meio do Mar (Megamini7letras) e atualmente escreve o romance Uma Mulher Razoável. Lança em 2019 Rafaméia, seu primeiro filme
2 Comentários
2 respostas para “Eu odeio declarações de amor”
Minha vida se resume a tds esdas palavras penso e sinto igual e quando saio de um relacionamento eu nunca quardo margoa sou amiga de todos as vezes ñ me entede..mais sou assim
E tudo bem 🙂 <3