Feminismo de palco

Como é o tapete vermelho num mundo pós movimentos como #MeToo e #Time’sUp

05.03.2018  |  Por: Maria Clara Drummond

image
Feminismo de palco

Foto: Robert Gladden / A.M.P.A.S.

Ao contrário das expectativas, o Oscar 2018 não teve grandes surpresas ou protestos no tapete vermelho. Os grandes destaques na esfera política foram a vitória do primeiro filme estrelado por uma transsexual, a chilena Daniela Vega em Uma Mulher Fantástica, e o discurso de Frances McDormand clamando por inclusion rider, que é uma cláusula de contrato que assegura diversidade em filmes.

Foi tímida a participação do movimento #Time’sUp. Menos mulheres foram premiadas que no ano anterior e duas estatuetas foram para homens acusados de violência doméstica e violência sexual – respectivamente, Gary Oldman e Kobe Bryant. O canal E! Entertainment Television manteve como repórter do tapete vermelho Ryan Seacrest, que também tem acusações de assédio sexual no currículo. Não houve boicote formal, mas a maioria das atrizes recusou ser entrevistada por ele.

O tapete vermelho sempre foi sinônimo de glamour e frivolidade – além de merchandising de marcas de alto luxo. Agora, as atrizes cansaram de dizer qual a marca de seus vestidos e querem reivindicar seus direitos, como equidade salarial e o direito de dizer não aos sistemáticos assédios sexuais de Hollywood. Por isso, a época de premiações virou mais um dos vários campos de batalha entre diferentes vertentes do feminismo. É cada vez mais comum a política de gênero ganhar as manchetes no lugar dos comentários usuais sobre o melhor vestido da noite.

No Oscar de 2016, Jenny Beavan ganhou o prêmio de melhor figurino por Mad Max. A inglesa subiu ao palco usando uma jaqueta de couro da popular Marks & Spencer. A partir daí, o assunto tornou-se viral nas redes sociais, com críticas ferrenhas e cruéis à sua aparência, e o novo status de ícone feminista.  “Essa é provavelmente a primeira vez que gênero é uma questão na minha vida”, disse a figurinista ao jornal The Guardian. “Eu não tenho o menor interesse em roupas que não seja o que elas me contam sobre a pessoa que as veste.”

Este ano, enquanto promovia o filme Operação Red Sparrow em Londres, Jennifer Lawrence foi alvo de uma polêmica por estar posando com um vestido decotado Versace, enquanto seus colegas de elenco estavam devidamente abrigados do inverno londrino. Greta Gerwig e Zelda Williams se pronunciaram para destacar o machismo que faz com que as mulheres precisem acordar às quatro da manhã para estarem impecáveis enquanto os homens podem se arrumar meia hora antes de sair de casa. Mas Jennifer Lawrence não pensa assim: “É um vestido deslumbrante. Esses exageros por assuntos bobos servem como uma cortina de fumaça para assuntos mais sérios.”

Aqui no Brasil, foi uma surpresa a reação da internet à roupa Prada da atriz Alice Wegmann. O truque de styling da jovem atriz era combinar a saia suntuosa com uma camiseta branca. Mas seus milhões de seguidores lançaram uma enxurrada de críticas por considerarem equivocado o uso da camiseta num evento formal. “Ao me olhar no espelho, eu estava me sentindo a própria Rihanna, leve, livre e segura de mim. Mas fiquei angustiada ao ver a reação no dia seguinte. É muito desgostoso ver esse tipo de jornalismo que usa expressões como “batalha de looks”. Infelizmente existe sim uma pressão e uma competitividade grandes que vêm do sistema patriarcal.”

Algumas feministas lutam para que as mulheres não sejam reduzidas a objetos de prazer do homem e submetidas a ideias de beleza e comportamento que são impostas – e que muitas vezes parecem uma escolha. Há outras feministas mais liberais com um discurso similar ao de Jennifer Lawrence, que aceitam o modo de vestir como expressão de individualidade e liberdade, e que acreditam que as mulheres são indivíduos autônomos capazes de fazer suas próprias escolhas, mesmo que reproduzam ideias impossíveis de beleza. “Talvez seja um meio termo, já que não me parece possível pensar numa autonomia absoluta a padrões sociais impostos, tampouco uma mera subordinação sem que haja alguma capacidade de decisão”, diz a professora de filosofia da UFRJ Carla Rodrigues, pesquisadora da teoria feminista.

Em suma, é impossível prever a reação do público ao desleixo ou à vaidade excessiva das participantes das premiações. As críticas podem vir do mainstream que reproduz o machismo ou da militância que busca proteger as mulheres da estrutura patriarcal. À parte do último Globo de Ouro, quando todas as atrizes decidiram vestir preto para mostrar apoio ao movimento #Time’sUp, muitas das polêmicas pegam de surpresa os protagonistas em questão. Mas, de qualquer forma, cada vez mais o feminismo torna-se a nova Chanel. Ainda bem!

1 Comentários

Comentar

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Uma resposta para “Feminismo de palco”

  1. Silvia Maria Malheiros disse:

    Que delicia de texto. Sobre as vertentes do feminismo (pois sou feminista graças a Deus rsrsr) acho que um movimento que luta pela liberdade e igualdade, o mais coerente seria que cada MULHER seja o que ela quiser ser né. E como dia Maria Ribeiro (que sou fã) “que delicia ser mulher em 2018” to achando também Maria. Bjs em todas e sigo acompanhando vcs.

Deixe uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *