Há piratas no convés: uma história real
O encontro com homens somalis vestindo trapos surrados é apenas uma das aventuras vividas pela fotógrafa e ativista Barbara Veiga nos sete anos que passou no mar
11.03.2019 | Por: Barbara Veiga
Barbara Veiga passou sete anos vivendo e trabalhando no mar com o único propósito de defender o oceano dos predadores humanos. Muitos a conhecem da série de vídeo-reportagens que fez para o Fantástico.
No próximo dia 19 de março, a fotógrafa e ativista lança o livro Sete Anos em Sete Mares (editora Seoman, 288 páginas, R$ 56 e e-book R$ 35), em que conta diversas experiências vividas neste período. Em formato de diário de bordo, histórias como sabotagem a navios de pesca ilegais, destruição de fazendas de atum, a luta contra o desmatamento da Amazônia e tantas outras missões que fez com o Greenpeace e a Sea Shepherd e também a bordo do veleiro Papaya, onde passou quatro anos com o parceiro.
Bárbara foi presa três vezes e teve diversos embates com exploradores, com a polícia e com autoridades dos países onde atuou. No livro estão os motivos da fotógrafa pela escolha de vida, a solidão e a vulnerabilidade de viver no mar e, claro, histórias de fazer inveja a muita ficção por aí.
No trecho do livro destacado abaixo, o embate com piratas em alto mar, cercado de nada e de ninguém:

Capa do livro “Sete Anos em Sete Mares”
“De repente, percebo que não estamos sozinhos. Um barco com dois motores de 40 cavalos se aproxima em alta velocidade do Papaya, que enxergamos ao longe, ancorado. Nervosa, aviso ao Locky. Nadamos afoitos até o dingue. E navegamos de volta ao veleiro, ao mesmo tempo em que o outro barco também se acerca dele, como se fosse uma competição para ver quem chega mais rápido.
Com quatro homens a bordo, vestidos de trapos brancos e surrados, o outro barco lança sua âncora a 15 metros de distância do Papaya. Enquanto isso, entro às pressas, de maiô, toda molhada, buscando algo para cobrir meu corpo por inteiro, enquanto sinalizo via rádio que estamos sendo abordados por estranhos. Estranhos com forte potencial de se revelarem piratas somalis. Locky permanece do lado de fora, tentando se comunicar com os homens à medida que eles se aproximam do nosso veleiro, a bordo de um bote. Os homens não falam nada. Tento manter o sangue-frio, consciente do risco que corremos.
Não seria justo morrer agora, desse jeito tão estúpido.
No rádio, chamo pelo nome várias embarcações conhecidas, que poderiam estar nas redondezas. Ninguém responde. Nenhuma viva alma. Suponho que Locky pode estar precisando de ajuda lá fora. Pela janela, vejo que ele continua engajado numa comunicação sem palavras com os homens, que mantêm uma expressão nitidamente irritada e hostil. “Eles podem estar querendo comida!”, deduzo, a julgar pela aparência esquálida dos quatro. Pego uma cesta e começo a enchê-la de macarrão, arroz, biscoitos, cereais, leite, alimentos que acredito serem úteis para eles, assim como têm sido úteis para nós até agora.
Quando subo ao convés, levo um susto: eles agora mantêm o seu barco lado a lado com o Papaya. Podem subir a bordo a qualquer momento. Visivelmente, Locky não sabe mais o que dizer. Ou tentar dizer. Rapidamente, entrego a cesta nas mãos do homem que estava à frente do grupo e parecia ser uma espécie de líder. Ele avalia o conteúdo. Pega a caixa de leite e a vira de cabeça para baixo. Parece querer decifrar o que é. Com um gesto, procuro mostrar que é algo para beber. Ele me olha como se pudesse invadir a minha alma. “Nossas vidas estão nas mãos desses homens”, penso, angustiada.
“Se nos matarem, ninguém nunca vai saber o que aconteceu.” Sou acossada por uma sensação de fragilidade extrema. Sabíamos que esta é uma região de risco. Mesmo assim, escolhemos estar aqui. Memórias dos últimos meses atravessam a minha mente como num filme. Quando nos conhecemos no Arctic Sunrise. Quando decidimos fazer do Papaya a nossa casa. Os caminhos que escolhemos navegar. Nossos mergulhos incríveis.
Não seria justo morrer agora, desse jeito tão estúpido.
Barbara Veiga é fotógrafa documentarista com experiência de atuação em mais de 80 países. Uniu o jornalismo à fotografia e posteriormente ao audiovisual em parceria com organizações como Greenpreace, Sea Shepherd, Amazon Watch e Avaaz
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