Indústria deve levar até 30 anos para se adaptar à moda plus size

Segundo Flávia Durante, a idealizadora do Pop Plus e referência deste mercado na América Latina, um dos principais obstáculos para o desenvolvimento são as instituições de ensino, ainda gordofóbicas

22.03.2022  |  Por: Natália Albertoni

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Indústria deve levar até 30 anos para se adaptar à moda plus size

Do alto dos seus 1,80m de altura, Maqui Nóbrega mistura xadrez de rosa e vermelho com estampa de oncinha, raspa as laterais dos cabelos descoloridos e adora um ponto de cor flúor que pode aparecer nos próprios fios ou até nas roupas do seu doguinho. Difícil imaginar que, quando “xóvem”, essa mulher tão dona do próprio nariz e super afiada em vídeos (e áudios) na internet se escondia sob camiseta e bermuda jeans para mergulhar numa piscina. Não só de vergonha do corpo, gordo. Mas também por não encontrar roupas de praia que pudessem servi-lo. 

Essa cena comovia ao mesmo tempo que incomodava Flávia Durante, amiga de infância da santista. Jamais pelo acanhamento, que ela também já havia compartilhado vez ou outra. É que Maqui, como muitas outras, era jovem, tinha a vida pela frente, morava na praia e, ao invés de curtir, estava se escondendo. Então, impulsionada por essa cena, e também para ganhar um dinheirinho extra no final do ano e complementar a renda de jornalista, em 2012 Flávia começou a vender biquínis. Por que biquínis? Porque ela queria que as mulheres pudessem frequentar a praia ou a piscina vestindo algo que valorizasse cada pedacinho do corpo delas. 

Flávia Durante, idealizadora do Pop Plus, na primeira edição de 2022

Esse foi o embrião do Pop Plus, hoje o maior evento voltado à moda plus size da América Latina. Há uma década desbravando este mercado, Flávia se anima com as transformações no comportamento de sua audiência. “As mulheres chegavam tímidas [no Pop Plus], procurando roupas pra esconder a barriga ou o braço, e não queriam sair nas fotos. Agora, elas chegam atrás de novidades, totalmente sem medo, sem vergonha, e sem desculpa por ser o que são”, conta.

No entanto, mesmo com tantos avanços, Flávia prevê uma transição lenta e gradual para uma moda “all sizes”. “Estamos muito longe disso. Até porque acho difícil criar uma moda para todos os corpos, já que cada corpo tem sua particularidade. De todo modo, a minha perspectiva é que a indústria leve ao menos 30 anos para se adaptar.”

O FUTURO DA MODA 

São as próprias pessoas gordas, que vestem a moda plus size, que têm discutido o mercado e criado suas próprias marcas e eventos. Segundo ela, que participa de muitas bancas de TCC (Trabalho de Conclusão de Curso), as faculdades continuam gordofóbicas. “Os alunos me dizem ‘tentei fazer um TCC plus size e o professor proibiu porque o corpo gordo é cafona e não pertence à moda’, ou ‘aqui até incentivaram fazer, mas não tinha manequim acima do 38, nem modelagem, nem cabide, nada.’ Esperamos que os cursos se conscientizem cada vez mais”, afirma Flavia. Afinal, quanto antes as instituições de ensino de moda passarem a trabalhar com o corpo gordo, mais ferramentas existirão para mudar esse cenário em termos práticos.

Sem uma mudança estrutural na indústria, será difícil ver essa moda em shoppings, por exemplo. Algumas grandes marcas têm criado selos ou coleções com esse foco. Há controvérsias, mas Flávia argumenta que ainda é necessária uma distinção, não em termos de segregação, mas para facilitar o acesso às peças. A existência de um evento de moda plus size, por exemplo, também é muito importante justamente para que as pessoas se sintam acolhidas e melhor atendidas. “É necessário ter um rótulo plus size, que é apenas mercadológico, não define ninguém, porque é um termo que até facilita a busca na internet”, explica. 

DEMANDA REPRIMIDA

É importante lembrar que o mercado plus size não é um nicho, mas uma demanda reprimida. É só (tentar) fazer as contas. Segundo o IBGE, quase 60% da população é considerada acima do peso no Brasil. Os dados são do segundo volume da Pesquisa Nacional de Saúde 2019, que também indica que uma em cada quatro pessoas de 18 anos ou mais está obesa. Ou seja, o equivalente a 41 milhões de pessoas.

O Pop Plus chega a reunir 100 expositores das áreas de moda, acessórios, bem-estar e alimentação. São cerca de 50 mil visitantes ao ano, distribuídos em quatro edições. Em 2022, em razão da pandemia, o número de expositores caiu para 80. E no  primeiro encontro, mais de 9 mil pessoas circularam pelo Club Homs. 

La Robertita, influencer, historiadora e fashionista, foi uma das atrações do Pop Plus 2022

Temos muito chão pra caminhar. “É importante ter uma moda que acolha todos os corpos porque moda é dignidade. Não é só estética, look do dia, modinha. É você oferecer roupa pra pessoa sair de casa para fazer o mínimo. Para o dia a dia, pra trabalhar, pra ir ao médico. O corpo gordo não tem nada disso”, explica Flávia.

O Pop Plus começou com a ideia de mostrar que a mulher gorda é fashionista e tem poder de consumo, mas ao longo dessa trajetória de 10 anos ficou claro que o papo é muito mais complexo. Não adianta oferecer roupa bonita se a mulher gorda é discriminada no mercado de trabalho e não vai ser contratada num processo de RH porque a sociedade diz que o corpo gordo é preguiçoso, incompetente, e faz corpo mole. “É toda uma estrutura que precisamos mudar”, avisa Flávia. 

 

MARCAS QUE ABRAÇAM TODOS OS CORPOS, uma curadoria de Maqui Nóbrega:

 

 

Sislla: moda “xóvem”, girly e divertida com as cores da vez.

787 Shirts: do jeans ao beachwear, lançamentos mensais com tiragens limitadas.

Calma: conjuntinhos amplos, confortáveis e agênero com cores muito alegres.

Lela Brandao Co – minimal e atemporal, prioriza o conforto –já que uma mulher confortável é uma revolução.

Aro e Vênus: duas marcas, ambas criadas por mulheres, que, juntas, fazem o beachwear mais empoderado da internet.

Ziovara: camisetas com prints místicas e flower power são destaque.

Leninha: lingeries, anáguas, lenços e quimonos bem na vibe minha avó tinha. 

Fala: aposta em versatilidade, trazendo coleções em malha e sem estampa.

Pro Me: desenvolve body, cinta liga e sutiã tão sexys quanto confortáveis.

Lambuzada: camisas, moletons e conjuntinhos pras quem ama uma estampa.

Wear Ever: streetwear com materiais veganos e 100% brasileiros.

Mallva: feita por e para mulheres, oferece lookinhos frescos com cara de praia.

Leticia Michels: peças elegantes e (quase) sem estampas para acompanhar você em qualquer lugar.

Sai do Casulo: peças que vão bem do escritório àquele passeio de domingo no parque.

Libe Store: boa variação de modelos de calça produzidos sob demanda para evitar o desperdício.

Chica Bolacha: moderninha, tem bastante opção pra cair na pista. 

Vista Magalu: as principais tendências com preços ótimos.

 

Natália Albertoni adora fazer perguntas, contar histórias e conectar pessoas. Jornalista, meio camaleão, é coordenadora de Comunicação e Marketing da Hysteria e da Conspiração, a maior produtora latino-americana mais indicada ao Emmy Internacional

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