Julia Bosco e arte de postar bêbada

Cantora carioca estreia como autora com o livro 'Aforismos e Desaforos sobre Sexo, Amor e Ressaca', uma coletânea de posts que viralizaram no Facebook, publicados por ela durante ou depois de porres

08.12.2017  |  Por: Audrey Furlaneto

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Julia Bosco e arte de postar bêbada

Foto: Donatinho

Há um apartamento no Jardim Botânico, no Rio de Janeiro, habitado por garrafas de vinho que esperam. Todas as noites, deitadas e alheias ao mundo, elas esperam. Não costuma ser em vão: põe-se o sol, Julia Bosco volta para casa e, como um deus (Baco, talvez), devolve sentido à existência das garrafas de vinho. Seu “milagre” requer tão somente um saca-rolhas, com o qual ela liberta o líquido da clausura de vidro esverdeado e o lança em taça, copo, caneca, jarra (pouco importa), para que exerça a função a que se destina: embriagar sujeitos — e conduzi-los ao computador ou celular mais próximo rumo às redes sociais.

Julia cumpre o ritual há tempos. Saca-rolhas, vinho, taça, boca e, meia garrafa depois,  internet. Mais precisamente, o Facebook. Lá, ela pratica a arte dos posts etílicos com maestria. Poucas vezes cometeu um textão, diga-se. Sua “obra” tem um pé na linhagem dos Sete Sábios Gregos, os precursores dos aforismos e das máximas, e o outro, cambaleante, na nobre filosofia de botequim. A cantora carioca de 37 anos, afinal, faz os posts devidamente alcoolizada ou na ressaca do dia seguinte. Daí o humor encorpado, com notas de sarcasmo e aquela velocidade de quem está sempre um copo à frente de quem lê.

Seus aforismos diários (e os algoritmos) de pronto a elevaram ao Olimpo do Facebook, cujos deuses são adorados com likes — e Julia os ganhou aos milhares. Logo seus 12 mil seguidores passaram a clamar por uma compilação das máximas bêbadas dispersas na rede social. Nascia assim Aforismos e Desaforos sobre Sexo, Amor e Ressaca, coletânea de posts publicados desde o final de 2014 até agosto passado, livro de estreia que a cantora lança no próximo dia 15 de dezembro, no Rio.

“Acho que o algoritmo ficou maluco, e os posts viralizavam muito rapidamente. De repente um post tinha mais de cinco mil likes, que é um número bom dentro da minha rede, mas pequeno de modo geral. Não garante um emprego, né?”, diz, rindo — ela, a propósito, “diz, rindo” quase sempre. São para rir também boa parte de suas máximas. Exemplos: “A menor distância entre duas pessoas é uma garrafa de vinho” ou “Deus criou a moqueca no dendê. O diabo, com inveja, inventou a azia”, ou ainda “Medo, teu nome é pool party”.

A cantora-autora diz que as máximas também são fruto de uma nostalgia específica: “As frases de pára-choque de caminhão. Sinto muita falta, sabe? Meus posts são como elas, com um tom de ironia e sarcasmo.” Vez por outra, Julia cede à melancolia que ronda os porres, mas faz troça do existencialismo de mesa de bar — “Enquanto todos buscam encontrar um sentido para a vida, eu queria apenas encontrar a ponta do durex…”. E ri da solidão: “Domingo o meu nível de carência encosta no do plano de saúde para a terceira idade”.

Há também textos (não tão curtos quanto as máximas) confessionais, os desaforos, como indica o título do livro. Estão neles a birra das dietas, certo apreço pelo sedentarismo e o amor ao corpo que foge aos padrões anoréxicos das tradicionais revistas femininas. “Não me cobre retitudes. Sou feita de curvas”, escreve. Ou, na chave do humor, confessa: “Pareço legal, mas comprei um bolinho para agradar meu pai e comi no carro no meio do caminho.”

Na segunda parte do livro, Julia deixa a concisão dos aforismos e apresenta crônicas, algumas com mais ênfase no amor próprio, sem jamais perder o humor próprio. “Nunca fui magra. Nunca tive um IMC que não apontasse, no mínimo, um sobrepeso. Não, espera. Quem eu quero enganar, gente? Vamos falar a verdade, nunca tive um IMC de sobrepeso, sempre de gordo na dezena, na centena e no milhar”, diz numa crônica.

Neste sentido, enfim, termina por fazer um livro de caráter feminista. Mas o feminismo, como afirma, “está presente no empoderamento pelo discurso prático, e não como militância ou ativismo, até porque não tenho background ou formação intelectual suficientes para isso”. De todo modo, a sororidade, tão cara ao movimento feminista, está lá, por exemplo, na crônica em que ela conta de quando se soube traída. Chamava a “outra” de “ladra de macho”, “piranha” e “vagabunda” — até, anos depois, conhecê-la pessoalmente e saber que a moça tampouco sabia estar com alguém comprometido. Julia escreve: “Não interessa quem foi mais ou menos enganada. Interessa que estávamos as duas frente a frente, pela primeira vez, tendo a chance de concluir aquele episódio. Aquela piranha? Vagabunda? Vou matar essa puta? Espelho. Ela era eu, eu era ela. IGUAIS.”

 

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