Juntas para seguir marchando em frente

Depois de participar do ato contra o avanço do pensamento autoritário no Brasil, Gaía Passarelli relfete: 'Eu nunca achei que chegaríamos aqui, mas aqui estamos'

02.10.2018  |  Por: Gaia Passarelli

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Juntas para seguir marchando em frente

Nunca pensei que fosse chegar aqui.

E às vezes quero acreditar que não vai piorar. Mas então me belisco: não achei que a Dilma fosse cair, não achei que o Doria seria Prefeito, não achei que o Trump seria Presidente dos EUA. Nunca pensei que ia ver pessoas querendo ensinar o Papa a ler a Bíblia (literalmente) ou acusando a The Economist de “comunista”. Também não achei que ia ver repórter sofrer agressão ou artista ter família ameaçada de morte.

Semana passada li em um tweet (coisas da internet: perdi o original, se alguém souber o autor é favor avisar) dizendo que nossa geração cresceu tendo a democracia como direito inabalável. Só que esse direito não esteve garantido para a geração dos meus pais, que foram jovens durante o período da Ditadura Militar. Também não foi verdade para os meus avós, que viveram os anos Vargas. Talvez nem seja verdade para quem vem depois de nós.

Mas foi verdade pra mim e por isso eu não tinha como saber o quanto ficaria elétrica ao ver a concentração que vi no Largo da Batata (e em cerca de 30 cidades país afora, eu sei), uma concentração de bandeiras, ideais, cores e orientações das mais diversas concentradas em tema urgente: frear o avanço do pensamento autoritário no Brasil.

Nas ultimas semanas vimos juiz impedindo entrevista, político querendo recolher revista com denúncia, militar dizendo que a Constituição deve ser refeita por uma “comissão de notáveis”, gente defendendo revogação de direitos, candidato falando na televisão que não vai aceitar resultado diferente de uma vitória que dá como certa. Isso pra ficar em apenas alguns dos exemplos que chegam a mim, certamente há muito mais. Certo militar ligado a certo candidato disse que livros “que não dizem a verdade sobre o regime militar” (que verdade, pergunto?) devem ser “tirados de circulação”. Certamente há muito mais para acontecer nesta semana, a última antes do primeiro turno das eleições que vão eleger presidente, governadores, senadores e deputados federais e estaduais.

Quando eu era pequena elas eram adultas. Eu era a esperança e elas eram a resistência. Ainda são

Tenho 42 anos e cresci no chamado período da redemocratização. Quando era pequena eu via pelas TVs de tubo onde a gente podia escolher entre os sete canais disponíveis programas que vinham com uma vinheta antes, um papel batido à máquina e assinado por um censor. Na minha cabeça censura era isso, mas claro que era muito mais. A censura atuava dentro das redações de revistas e jornais, dentro de editoras e gravadoras, dentro de rádios e TVs selecionando de antemão o que iria ou não a público. Este texto, aliás, não iria. Assim como boa parte do conteúdo da Hysteria. Tudo, claro, em nome da gente de “moral e bons costumes”, como se falava na época, o equivalente do “cidadão de bem” e integrante da “família brasileira” de hoje.

Quando era pequena meus pais viviam cercados de expatriados latino-americanos que chegavam às vezes a morar conosco, vindos de outros países que também viviam sob ditaduras, como Chile e Argentina. Quando era pequena eu não entendia por que se falava baixo sobre pessoas desaparecidas, nem o que significava Diretas Já, nem por que houve tanta emoção quando o Tancredo foi eleito e tanta consternação quando ele morreu. Mas hoje eu sei. Hoje eu sei o que aconteceu na Rua Maria Antônia, sei por que existe a PM e a Voz do Brasil. Sei porque tenho uma mãe que me ensinou. Sei porque há pessoas que lembram e contam. E também sei porque havia senhorinhas em peso no protesto do último sábado, senhorinhas como a minha mãe. Quando eu era pequena elas eram adultas. Eu era a esperança e elas eram a resistência. Ainda são.

Eu não podia imaginar que iríamos marchar juntas Rebouças acima, na linha de frente, gritando palavras de ordem, braços dados, punhos para o alto, levando em frente quem ficava cansada de andar, repartindo garrafas de água mineral, entregando panfletos para as pessoas que gritavam em apoio dentro dos ônibus parados no corredor.

Nunca imaginei que iríamos ver a Paulista fazer silêncio para ouvir duas moças cantarem a versão canarinha da Bella Ciao na frente do Conjunto Nacional.

Eu nunca achei que chegaríamos aqui, mas aqui estamos. E por isso mesmo tenho certeza de que, aconteça o que acontecer, estaremos juntas para seguir marchando em frente.

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