Liberdade no café da manhã

Uma mulher livre incomoda muita gente. Uma mulher livre para sentir prazer incomoda muito mais

18.02.2022  |  Por: Mariana Caldas

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Liberdade no café da manhã

Parece que Luísa Sonza está levando o feminismo (e o Brasil) à loucura. Desde que soltou um reels cantando à capela um trecho do seu novo feat com Ludmilla, “Café da Manhã”, enquanto era despida pelos seus dançarinos no seu show, a internet ficou nervosa, incomodada, sem conseguir decidir se aquele fogo todo era bom, ruim, liberdade, apelação, coisa do diabo ou do patriarcado. Eu gostei da confusão. Afinal, sempre que a gente fica assim, tão à flor da pele coletivamente, os símbolos que estavam escondidos podem vir à tona. 

Essa não é a primeira vez, e com certeza não será última, que uma musa da cultura pop é criticada por falar de sexo na primeira pessoa, ou por sensualizar no palco, no clipe, no feed, na vida. Anitta que o diga. E nesse banho de água fria, a única coisa que me chamou a atenção foi o não dito: por que uma mulher livre para receber, sentir e viver o prazer incomoda tanto? 

Existe uma perspectiva que sempre fica de fora na narrativa da mulher que se hipersexualiza e, assim, se coloca como objeto do patriarcado. Quando olhamos para uma mulher que está muito confortável dentro do seu próprio corpo e construímos a narrativa de que ela está indo contra o que nós, feministas, lutamos, estamos, na verdade, perpetuando a ideia de que a sexualidade de uma mulher só existe para dar prazer e nunca para receber. 

Pra mim esse é o ponto G dessa conversa. Luísa está se colocando como objeto do patriarcado ou é dona da sua sexualidade, e por isso, está disponível para receber prazer, inclusive de um homem? Como a gente desconstrói de uma vez por todas a ideia de que em uma relação sexual a mulher está sempre a disposição do gozo do outro e nunca ao contrário?

Isso sim é patriarcado na veia, machismo puro, estrutural e inconsciente, a pedra que a gente joga na Geni. A hipersexualização é um problema quando é imposta por outro que não você, precisa ser investigada quando é um sintoma de uma vida de abuso, e precisa ser olhada com muito cuidado e atenção quando uma mulher sente que essa é a sua única possibilidade de ser e estar no mundo. Quando é a única solução que alguém encontra para se sentir amado, olhado, atendido. Quando é dor, tristeza, raiva, luto, falta. Quando é uma despedida de toda e qualquer possibilidade de amor-próprio. Quando é adolescente. 

É urgente olhar para a nossa sexualidade com amor, é urgente libertar o prazer que nos foi negado durante tantos séculos. Não existe libertação feminina sem libertação sexual, porque sexualidade também é vida, criatividade, força, poder, leveza, fluidez, autoestima, segurança. E quanto mais intimidade a gente tem com o nosso prazer, mais intimidade a gente pode ter com a gente mesmo. Gozar é uma revolução, principalmente quando você é uma mulher, principalmente quando o seu corpo é uma manifestação das suas infinitas possibilidades. 

 

Mariana Caldas é diretora, fotógrafa e jornalista, seu trabalho autoral investiga e revela a natureza selvagem que vem de dentro

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