Listas | Cinco poemas de Hilda Hilst, por Alice Sant’Anna

A convite de Hysteria, a jovem escritora carioca que como editora de poesia da Companhia das Letras organizou o livro com a obra completa de Hilda Hilst, escolheu poemas representativos da consagrada autora, homenageada da Flip deste ano 

03.01.2018  |  Por: Alice Sant’Anna

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Listas | Cinco poemas de Hilda Hilst, por Alice Sant’Anna

Foto: Alexandre Sant'Anna

Alice Sant’Anna é poeta, uma das mais reconhecidas de sua geração. Pudera: aos 29 anos, já publicou quatro livros, entre eles Rabo de Baleia (em 2013, pela Cosac Naify) e Pé do Ouvido (em 2016, pela Companhia das Letras). Nesta editora, aliás, ocupa o cargo de editora de poesia e foi responsável pela organização do livro que reuniu, num único volume, toda a obra de Hilda Hilst (1930-2004).

A consagrada autora, por sua vez, será a homenageada deste ano da Flip, o principal festival literário do país. E Hysteria aproveitou o ensejo para convidar Alice a selecionar cinco poemas de Hilda, que tão bem conhece.  

Antes de entrar na lista em si, a jovem editora contextualiza a obra da incensada poeta: “Sua obra conversa diretamente com as trovas, as odes, os cantares. Tem uma dicção antiga, como se fosse de outra época. Hilda gostava de ler seus poemas em voz alta com sotaque de português de Portugal — e a sensação que dá é que podemos ouvir essa pronúncia mesmo lendo em silêncio.”

Já sobre os cinco poemas que selecionou para o Hysteria, Alice explica: “Escolhi esses por achar que são bem representativos da obra da Hilda como um todo. O primeiro mostra a devoção ao amado, marca que atravessa toda sua produção do início (desde Presságio, seu primeiro livro de poesia, lançado em 1950) ao fim (com Cantares do Sem Nome e de Partidas, de 1995).  O segundo é sobre a terra (‘Ser terra / E cantar livremente’), uma das imagens mais recorrentes na produção da Hilda. O terceiro termina com um verso de arrebatar: ‘E hoje mesmo começo a envelhecer’. E os dois últimos falam sobre o transitório, o efêmero, um dos temas de predileção da poeta: o fim, a morte, as coisas que não duram.” 

Abaixo, enfim, a cuidadosa lista de poemas, cujos títulos, em geral, são números, romanos ou não:

1.

III
G
ostaria de encontrar-te.
Falar das cousas
que já estão perdidas.
Tuas mãos trementes
se desmanchariam
na sonoridade
dos meus ditos.
Faria de teus olhos
luz,
de tua boca
um eco.
Nos teus ouvidos
eu falaria de amigos.
Quem sabe se amarias escutar-me.

(do livro Presságio)


2.

8
S
er terra
E cantar livremente
O que é finitude
E o que perdura.
Unir numa só fonte
O que souber ser vale
Sendo altura.

(do livro Trajetória Poética do Ser)


3.

II
M
eu medo, meu terror, é se disseres:
Teu verso é raro, mas inoportuno.
Como se um punhado de cerejas
A ti te fosse dado
Logo depois de haveres engolido
Um punhado maior de framboesas.
E dirias que sim, que tu me lembras.
Mas que a lembrança das coisas, das amigas
É cotidiana em ti. Que não te enganas,
Que o amor do poeta é coisa vã.
Continuarias: há o trabalho, a casa
E fidalguias
Que serão para sempre preservadas.
Se és poeta, entendes. Casa é ilha.
E o teu amor é sempre travessia.
Meu medo, meu terror, será maior
Se eu a mim mesma me disser:
Preparo-me em silêncio. Em desamor.
E hoje mesmo começo a envelhecer.

(do livro Júbilo, Memória, Noiviciado da Paixão)


4.

II
Ama-me. É tempo ainda. Interroga-me.
E eu te direi que o nosso tempo é agora.
Esplêndida avidez, vasta ventura
Porque é mais vasto o sonho que elabora
Há tanto tempo sua própria tessitura.
Ama-me. Embora eu te pareça
Demasiado intensa. E de aspereza.
E transitória se tu me repensas.

(do livro Júbilo, Memória, Noiviciado da Paixão)


5.

Dúplices e atentos
Lançamos nossos barcos
No caminho dos ventos.
E nas coisas efêmeras
Nos detemos.

(do livro Ode Fragmentária)

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