Mãe sã, filho são

Partindo da própria história, a youtuber Hel Mother reflete sobre como educar as crianças para que aprendam a curtir seus corpos desde cedo

31.10.2018  |  Por: Helen Ramos

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Mãe sã, filho são

Para mim a mulher mais linda do mundo era a minha mãe. Eu lembro bem que a olhava inteira e ficava encantada, fitando-a intensamente, aquela boca desenhadinha de coração, os olhos castanhos, muito cheirosa e um batom vermelho belíssimo.

Quando eu tomava banho com ela, lembro de abraçá-la e dizer: “Você é a pessoa mais linda do mundo.” E mais do que dizer, lembro de ter certeza disso.

Depois de uma certa idade comecei  a ter memórias das respostas da minha mãe:

“Obrigada, minha filha, mas eu sou gorda.”

Esse “mas” não fazia muito sentido.

“E que que tem, mamãe?”

“Sou gorda e feia.”

Eu sempre pensava: “Nossa, tadinha da minha mãe, ela não consegue enxergar o tanto que é linda.” Eis que essa nítida sensação um dia se tornou um amontoado de inseguranças com meu corpo. Não sei quando a palavra “gorda” começou a representar algo negativo, mas sei que não tardou: no início da minha adolescência eu já tinha muito a cabeça ocupada por neuras, dietas e inseguranças.

Afinal, não foi só um discurso reproduzido dentro de casa. As minhas amigas da escola fortaleciam esse lugar, os amigos, as revistas, a TV, até as revistas em quadrinhos – para onde se olhava o adjetivo gorda era assombroso.

Ele não só assombrava a mim, que nunca tive um corpo fino, magro; sempre fui uma mulher grande, seios grandes, pernas grossas, costas largas. O adjetivo também estava na atmosfera das minhas amigas mais magras, aquelas miúdas mesmo, que mesmo já com seus 18-20 anos, compravam roupas na sessão de crianças em lojas de departamentos. Essas amigas falavam de dieta, de emagrecer.

Cresci, amadureci, já sofri demais ao me ver no espelho e em fotos, mas algum respiro surgiu que eu consegui começar a questionar toda essa história imposta goela abaixo. Foi na gravidez que tive contato com as primeiras leituras que me elucidaram sobre o tal padrão de beleza, e nesse período comecei a entender que atingi-lo era impossível, e que talvez minha maior força e resposta a esse mundo tóxico fosse me amar inteira – na verdade, reaprender a me amar e me conhecer.

Uma tarefa difícil e subjetiva, mas tive um ótimo impulso para esse processo: tive um filho. Uma pessoinha que veio ao mundo ainda livre das imposições coletivas, ainda sem saber que o simples adjetivo “gorda”, uma palavra até gostosa, havia se transformado em um defeito, xingamento.

O que eu faço? Vamo lá, passo a passo.

1- Eu não me peso na frente do meu filho, nunca. Se pesar é algo que eu posso fazer em um consultório médico, no banheiro da minha academia, mas não precisa ser um hábito que gere algum tipo de aflição ou incômodo perto dele.

2- A palavra gorda, aqui dentro de casa, é um adjetivo: magra, gorda, alta, baixa, fino, grosso, grande, pequeno, macio, áspero, molhado, seco. Faço questão de que esse adjetivo para definir alguma coisa seja apenas um adjetivo.

3- Mais que isso: como estamos num processo em que essa palavra já foi deturpada, quando posso coloco algum elogio linkado ao adjetivo gorda, ou gordo. Por exemplo: um dia ele comentou, “A Tia Carol é gorda.” E eu complementei entusiasmada: “É verdade, filho, ela é gorda, lindíssima, eu a amo muito.” E ele complementou: “Ela é linda mesmo.” Outra vez ele olhou pra mim e disse: “Mamãe, você é gorda, sua barriga é grandona.” Eu respondi: “Ai, filho, obrigada, sabe por que a barriga da mamãe é grande? Porque você morou aqui dentro, ela cuidou muito de você, isso não é legal?” (Por mais que eu não fosse feliz com a minha barriga e ela me incomodasse, eu não queria transpor esse incômodo a ele.)

Eu não sei o dia de amanhã, pode ser que meu filho tenha um corpo gordo ou um corpo magro enquanto adolescente ou adulto, e o que mais desejo a ele é que ele se sinta bem, que no lugar de preocupar com essas questões ele se preocupe em ser feliz, em se amar, que as preocupações dele sejam outras que não essas insolutivas.

Que tirar uma bermuda e camiseta para ficar de sunga não seja uma questão a ser superada, apenas uma urgência em cair logo no mar, na piscina, em brincar.

E não sou só eu que estou dizendo. Estudos mostram que a construção da autoestima tem início na infância. Garotas de 5 anos já expressam preocupações com o corpo e têm conhecimento sobre dietas alimentares. Aos 7, já demonstram insatisfação com o corpo, e esse comportamento pode desencadear o início de uma alimentação restritiva – sabe-se que transtornos alimentares, obesidade, baixa autoestima e depressão podem estar associados ao desenvolvimento de uma imagem corporal negativa. A maioria das meninas de 7 a 9 anos concorda que é ruim ser gorda e muitas expressam o desejo de serem magras.

Mais: uma pesquisa feita recentemente com crianças e adolescentes em escolas públicas e privadas mostra que 62,2% dos alunos estão insatisfeitas com o próprio corpo. Entre meninas adolescentes, esse número chega a 82% – a autoestima é uma condição que afeta mais o sexo feminino.

Que possamos juntas e juntos fazer esse futuro possível.

Vista sua pele. Viva seu Corpo
#vivomeucorpo
www.natura.com.br/viva-seu-corpo

Helen Ramos, 31 anos, é criativa, cineasta, atriz e mãe do Caetano, hoje com 4 anos. É de Brasília mas vive, trabalha e cria o filhote em São Paulo. Seu canal no YouTube, Hel Mother, nasceu em maio de 2016 para falar sobre “maternidade sem caô” e, desde então, os vídeos semanais colecionam milhares de views e mensagens de apoio

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