Mãos à obra: testamos um Intensivão da Siririca online

Nossa diretora de arte conta como foi fazer um curso de três horas dividindo o Zoom com 'umas 20 e poucas pessoas providas de clitóris'

22.07.2020  |  Por: Kiki Tohmé

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Mãos à obra: testamos um Intensivão da Siririca online

Recebi o convite pra testar um Intensivão da Siririca oferecido pela conta de Instagram do Meu Clitóris Minhas Regras, uma página que talvez pudesse causar constrangimento se você estivesse rolando seu feed no ambiente de trabalho, mas como eu trabalho na Hysteria e como estamos de home office, pelo menos para mim, tudo tranquilo até aí. É uma página excelente, sem tabus, que fala abertamente sobre o que se propõe, cheia de humor, memes e vulvas. Um oásis na rede social.

Então me preparei pro dia do workshop, que por uma conjuntura do destino calhou de ser no fim de semana em que fui visitar meus pais no interior. Era uma tarde linda e eu poderia estar andando de bicicleta* (volto mais tarde aqui), mas falei que tinha que trabalhar por três horas e me pirulitei pro quarto depois do almoço, ainda sem saber se deveria ter comido menos, preparado outro gim, feito alongamento nas mãos, nos dedos, no braço, tomado banho ou qualquer outro preparo. Tentei deixar o volume o mais baixo possível e entrei na sala do Zoom onde já tinham umas 20 e poucas pessoas providas de clitóris a postos, a maior parte delas sem câmera ou microfone (só a turma da organização e conteúdo basicamente deu as caras, mas pelo chat percebi que eram pessoas reais interagindo e nenhum robô furou a barreira do captcha, e se tinha alguém sem clitóris infiltrado nunca saberemos, mas mal não faria né, amados?!).

Começou. Começou com o vídeo da Dove sobre a real beleza de 2013, seis minutos assistidos na íntegra, já achei esquisito, já botei minha mão pra descansar esperando a hora da largada e me dediquei às outras todas duas horas e 50 minutos que vou resumir como foram: olhar a vulva no espelho, nome das partes da vulva, como lavar as mãos, como lavar a vulva, depilação, menstruação (TPM, apps para controlar o ciclo, mandala lunar, calcinhas, absorventes, coletores), saúde da mulher, exercício para se olhar no espelho e se amar muito, falar que é gostosa, rainha, linda, perfeita – essa parte eu não fiz, porque sou cúspide com um pezinho em leão e estava num dia de autoestima estabilizada –, seguindo o roteiro: enfim chegamos ao clitóris, já passava de duas horas iniciadas e toda vez é chocante receber a informação de que só em 1998 alguém resolveu olhar pra isso e só em 2005 fizeram a primeira ressonância magnética dele, então o que sabemos dele até aqui foi realmente intuição & magia. Muita magia mesmo.

Parece que não havia muita coisa diferente do que eu, que nunca vi pornô e estou há milianos sem um vibrador, não tenha me virado pra atingir

Aí falamos (mentira, eu não falei nada, só ouvi, e a essa altura do campeonato era meia orelha ativa, porque a mão já estava se coçando) sobre orgasmo – alerta de gatilho pra quem achou que ia passar três horas testando novos métodos de dedadas –ejaculação, brinquedos eróticos, preservativos.

Agora estou lendo uma cartilha que enviaram no meu e-mail após curso e depois disso eu só perdi os seguintes conteúdos nos cinco minutos finais: sextape e a prática propriamente dita, porque eu já estava imersa no meu autodidatismo antes de me afundar no tédio e pensar que poderia estar numa rua de paralelepípedos pedalando com o pés pra cima, sentindo o selim de couro e olhando o céu (era aqui que eu queria voltar, nessa outra técnica de prazer) e, agora, comparando o infográfico no PDF e tentando relembrar por onde já andei nessa vida, parece que não havia muita coisa diferente do que eu, que nunca vi pornô e estou há milianos sem um vibrador, não tenha me virado pra atingir. O que falando assim, agora, me faz questionar: onde é que a gente aprende tanta coisa? Na prática, amadas, na prática. Pega sua mãozinha e vai desbravar esse lindo território.

O conteúdo dessas três horas são de suma importância e deveria ser ensinado (com certa edição e até certo ponto obviamente pelo amor de Deus não vá me ler errado) na escola, porque qual menina prestes a ter a sua menarca não quer ter mais informações sobre isso? Esse curso deveria ser ensinado pela pastora da Igreja Universal do Reino de Deus, deveria estar estampado nos pontos de ônibus, em absolutamente em todos os cantos do mundo, mas infelizmente, e é essa a minha angústia, ele continua dentro de uma bolha, entre quem já lê Hysteria, já segue uma conta que se chama Meu Clitóris Minhas Regras e provavelmente já pastou por um monte de informação pra chegar até aqui. E foi só essa a minha frustração: eu, que achava que teria três horas de câimbra, tendo que ativar meu dispositivo que monitora frequência cardíaca pra não infartar de tanto orgasmo atrás do outro, me vi ali, sentada, entediada, queimando a largada e só sentar o dedo mesmo pra escrever sobre tudo isso.

A minha frustração pessoal se tornou um incômodo de pensar em cada mulher, com suas tantas camadas de dor, de falta de oportunidade, do sistema em que estamos inseridas, na castração coletiva, que agora só consegue sair assim: sigo na esperança de que as mulheres se emancipem sexualmente, que busquem seus prazeres, que não sejam reprimidas, oprimidas e tenham toda a liberdade do mundo. Sempre. E a liberdade voa por aí, assim como esse tipo de conteúdo deveria fazer, assim como um orgasmo que suspende no ar.

 

Kiki Tohmé faz umas artes aqui na Hysteria e escreve desde sempre, mas nunca antes em lugares públicos

 

1 Comentários

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Uma resposta para “Mãos à obra: testamos um Intensivão da Siririca online”

  1. Gaia disse:

    Hauhauauauauauau obrigada!!
    Vem pro Clube das Clitorudas para continuar o assunto que não tem fim: sexualidade, educação sexual, saúde, e todos orgasmos que merecemos!!!
    O último intensivão será dia 09/08! Bora!

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