Mulher jornalista: resista
Em busca de quem seriam as novas repórteres que estão escrevendo sobre música, muitas vezes em canais próprios, a ex-VJ da MTV Gaía Passarelli escreve às 'coleguinhas' sobre o que gostaria que tivessem lhe dito lá atrás
17.10.2018 | Por: Gaia Passarelli
Todo ano uma porção de mulheres do mercado musical é convidada a indicar colegas para a votação do Women’s Music Event Awards. O Women’s Music tem a animadora missão de promover a união das mulheres que atuam na música. A plataforma é baseada em dois eventos anuais: uma conferência que promove shows, debates, encontros e workshops de-e-para mulheres, e uma premiação, cuja edição 2018 está aberta para votação popular, nas categorias Álbum, Videoclipe, DJ, Cantora, Artista Revelação e Música em http://premio.womensmusicevent.com.br/). Há também prêmios de Produtora Musical, Diretora de Videoclipe, Instrumentista, Empreendedora Musical, Melhor Show, Jornalista Musical e Radialista, que são escolhidos por uma equipe técnica. A festa de entrega acontece em novembro em São Paulo, para convidados, transmitida ao vivo pelas interwebs — veja como foi a edição de 2017.
Há dois anos não tinha nada parecido. Foi preciso muita reunião das criadoras, a jornalista Claudia Assef e a produtora de eventos Monique Dardenne, para explicar para o mercado os como e porquês dessa iniciativa. E tem valido a pena, o Women’s Music Event está crescendo consideravelmente de um ano pro outro. Em 2018, como em 2017, fui chamada para indicar nomes pro prêmio. Explico: em outra vida fui repórter de música. Comecei por acaso e necessidade em fins dos anos 1990, segui firme até meados de 2013, quando acabou a MTV Brasil e eu quis encerrar essa fase. Nunca achei que era especialmente boa e talvez por isso mesmo tenha decidido parar, mas pessoas ainda lembram disso com carinho e às vezes me pedem para escrever um texto ou participar de alguma coisa.
Acontece que em 2018, ao contrário de 2017, quis focar o esforço em indicar gente nova. Em especial novas repórteres. De novo, explico: a música está mudando, se renovando. O jornalismo está passando por transformações profundas, pro bem e pro mal. A forma de falar de música, também.
Cadê as novas repórteres de música?
Perguntei no Twitter, recebi dezenas de respostas (algumas mandando CV pra emprego, o que prova que para a geração digital sobra ansiedade e falta interpretação de texto, mas tudo bem) e encontrei. Elas estão por aí escrevendo, inclusive na Hysteria, em veículos como a Vice Brasil e em canais próprios no YouTube. Usei essa pesquisa pra indicar nomes à premiação mas também notei o quanto o mercado continua difícil: como quando eu comecei, ainda há muito mais homens que mulheres assinando textos, a vasta maioria dos editores são homens e creio que artistas também. Isso não facilita pra quem quer começar. Haters anônimos, gente-pistola em caixa de comentários e o machismo nosso de cada dia também são obstáculos.
Por isso o que eu queria com esse texto é dizer pra essas moças que já escrevem ou que começam a escrever o que eu queria que tivessem me dito lá atrás: que o que você faz é importante e que vai valer a pena. Que para ser repórter, inclusive de cultura, não tem moleza. Não dá para querer ser querida, você tem que fazer perguntas, inclusive para você mesma. Tem que pensar, que duvidar, que questionar. Tem que poder ver os lados, analisar, se posicionar. Que tudo bem você incentivar uma coisa de que gosta muito, mas tem que estar aberta a gostar de coisas que nem imaginava. Tem que saber mudar de ideia de vez em quando e tem que acreditar muito em você mesma, no seu gosto, na sua pesquisa, na sua opinião.
Porque música importa. Arte importa. Cultura importa. Escrever sobre essas coisas importa. Escreva, questione e publique. Crie seu próprio espaço online, se precisar. Não se cale, não desista. Mulher jornalista: resista.
Gaía Passarelli é jornalista e escritora, autora de Mas Você Vai Sozinha? (Globo Livros, 2016). Nascida e criada em São Paulo, mora num prédio velho da Bela Vista com o filho, três gatos e uma crescente coleção de guias de viagem. Você a encontra no twitter @gaiapassarelli e no site gaiapassarelli.com
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