Não é preciso acreditar em Deus pra acessar o divino
O que aprendi com o Kundalini Ioga
17.04.2019 | Por: Juliana Menz
Nunca tive orgulho algum em assumir. Confesso inclusive que sempre invejei quem, ao contrário de mim, exibe uma fé apaixonada. Seja em orixás que representam as forças da natureza ou em santos pendurados de cabeça pra baixo atrás da porta. Mas a verdade é que nunca consegui entender direito a devoção às missas e nem aquele aglomerado de gente jogando flores no mar por causa de uma estátua azul feita pelo homem. Essa fé nunca me acompanhou.
Deus existe? Onde?
Minha ideia (patética) de Deus sempre foi um cara sentado num trono julgando o que fazemos com nosso livre arbítrio. Nossas escolhas estúpidas. Escolhas amorosas, sexuais, profissionais, familiares. O cara olhando com dó para a nossa incompetência em lidar com o outro. Nossas fraquezas como filhos, como pais ou como cônjuges. Enfim, nossas inúmeras limitações humanas. Acreditar em Deus e em suas possíveis figuras colaborativas sempre foi para mim uma mentira inventada pelas religiões para nos distrair do que realmente acontece dentro e fora de nós.
Foi quando uma prática perturbadora, e até então sem sentido pra mim, mudou completamente a minha vida. Índia? Não, amor. Não por acaso escolhi São Paulo para viver. São as cidades de pedra que me fazem querer ser melhor. Me sinto segura no caos. Meu “empoderamento divino” aconteceu em Nova York, longe do marido e do filho de 3 anos.
Fiquei no apartamento de uma amiga no Brooklyn, pedalando, andando de metrô e estudando Kundalini Ioga por 20 dias seguidos. Por que Kundalini? Porque foi a prática que eu menos curti entre outras que experimentei nos lugares mais respeitados de ioga da cidade. Essa viagem tinha a intenção de salvar meu casamento. Precisava abandonar a menina mimada de classe média que existia dentro de mim. Aquela que conseguia o que queria e então a mágica acabava e ela já pensava em brincar de outra coisa.
As aulas começaram junto com meu total desconforto. Pense em movimentos repetidos por quatro ou cinco minutos. Com exercícios intensos de respiração. Desses movimentos, poucos lembram ásanas (posturas) de ioga ou qualquer outra atividade física. Tudo feito de olhos fechados.
“Feche os olhos!”, repetia a professora com um breve sorriso nos lábios. “Você não está respirando com intenção no plexo solar. Coloque intenção!”
Não, não era um kapalabhati (respiração intensa do ioga que visa a limpeza dos pulmões e a oxigenação do cérebro) normalzinho. Era uma surra interna. Era um soco. Eu estava apanhando de mim mesma pelo lado de dentro. “Coloca intenção na região do estômago. Você não está fazendo certo.”
A vontade durante toda a prática é que tudo aquilo acabe. Que você possa baixar os braços ou as pernas e relaxar
Aquela cobrança me irritava. E a raiva fez com que eu me tornasse a melhor aluna de kundalini daquele curso de formação. Era o poder de realização da raiva sendo trabalhado. Poder esse só comparável ao da energia sexual, também acionada no curso. Mas ali ninguém entra em êxtase ou tem múltiplos orgasmos como num culto tântrico no estilo Osho. Pelo contrário, a vontade durante toda a prática é que tudo aquilo acabe. Que você possa baixar os braços ou as pernas e relaxar.
“Essa é sua mente tagarelando. Sua mente manda em você. Não ouça o que ela diz. Continue fazendo o exercício. Chega de ser uma escrava da mente. Quem manda no seu corpo é você. A dor é um mecanismo da mente para que você se mexa o mínimo possível.”
E quanto mais eu me irritava, mais Simram Kaur Khalsa, minha mestra, se mostrava satisfeita. A verdade é que todo dia, depois de quatro ou cinco horas de prática, eu sentia uma energia enorme. Como se pudesse escalar um prédio. Dormia no máximo cinco horas e acordava com o mesmo vigor. Apesar das dores no corpo, minha mente estava limpa, sem julgamentos, sem cobranças, sem culpa (algo inédito desde a maternidade).
A cada aula sentia o aumento da minha força interna e da minha capacidade de executar os exercícios com perfeição. Nos últimos dias não sentia mais dores, minha resistência era maior e eu estava mestre em driblar os mecanismos de fuga da mente.
O Kundalini até então pra mim era uma energia alcançada em cerimônias de ayahuasca. Um calor no corpo carregado de amor pleno, perdão, gratidão e alegria com muita intensidade e entendimento. Ou seja, um ritual que vale por dez anos de terapia. Só que agora isso era possível sem ingerir chá algum.
Eu deixei Nova York me sentindo do tamanho da cidade. Minha cabeça estava a mil, com projetos, vontades, planos. Eu não sentia medo de fracassar, de ser humilhada, de não ser aceita. Tinha certeza do que precisava fazer e tinha coragem e motivação para tal.
Meu casamento acabou, mas minha família continua. Porque não existe ex-pai ou ex-mãe. Já minha vida, essa parece ter começado depois do Kundalini.
Antes de ir perguntei para Simram: que poder era aquele? Que potência incrível era aquela dentro de mim?
Ela respondeu sem grande alarde: “Essa é só você. Isso é Deus. Muita gente passa a vida inteira procurando fora, mas o divino está dentro.”
Ufa.
Juliana Menz é formada em jornalismo, trabalhou em TV e revistas. Hoje, é professora de Vinyasa e Kundalini Yoga
2 Comentários
2 respostas para “Não é preciso acreditar em Deus pra acessar o divino”
Que bom, Karla!
Nem sempre é fácil explicar esse poder que o Kundalini traz. ♥️
Profundo, complexo e verdadeiro. 🙌🏻 Acho (claro que é tolice achar isso!) que entendi cada palavra, cada sensação e cada vírgula e cada entrelinha…