‘Não Mexa Com Ela’, um filme incômodo e necessário sobre a assédio no trabalho
Longa Israelense estreia no Brasil com tema tão desconfortável quanto comum. A personagem poderia ser qualquer uma de nós
07.08.2019 | Por: Gaia Passarelli

Orna é uma mulher jovem, mãe de três filhos, casada com um marido que ama e que fica animada ao conseguir um emprego que paga bem e oferece grandes oportunidades de começar uma nova carreira.
É assim que entramos em Não Mexa Com Ela, da diretora Michal Aviad. O filme israelense tem a atriz Liron Ben Shlush em todas as cenas e estréia nesta quinta-feira em cinemas de São Paulo, Rio de Janeiro, Porto Alegre, Curitiba, Salvador, Brasília, Santos, Belo Horizonte, Recife e Vitória.
O filme, de 2018, não deixa claro qual é o ano em que a história se passa. Mas não importa. O que vemos acontecer com Orna acontece em qualquer época, e pode acontecer em qualquer local também. Por isso a língua, tão diferente do inglês ou português a que estamos acostumadas, não é um empecilho. Nos reconhecemos nos toques, nos olhares e nos problemas postos como se a história se passasse aqui mesmo.
O que incomoda é a situação para a qual Orna é levada. E incomoda porque desde a primeira cena com seu novo chefe, Donny, em que ele sugere que ela use os cabelos soltos, já entendemos para onde a história vai. Impossível não se remexer na cadeira. Entendemos porque sabemos que isso não é “só um elogio” ou “uma sugestão”. Isso é assédio. E assim, embarcamos com Orna na escalada do assédio que só cresce ao longo da pouco mais de uma hora e meia de filme.
O homem que você não quer te dá um copo de whisky que você também não quer, paga o jantar que você não quer, apaga a luz quando você não quer, fala o que você não quer, mas você não sabe como sair da situação porque você quer o que ele tem: o poder de fazer as próprias escolhas.
Escolhas que você também precisa fazer, como fechar os botões da blusa até o pescoço, tirar o batom, prender o cabelo em um coque rígido e encarar o chefe na manhã seguinte ao beijo forçado que você recusou sob risco de perder o trabalho que acabou de conseguir. Ele pede desculpas e, internamente, você dá graças a deus por ainda ter emprego e procura, dentro de si, acreditar que isso não vai mais se repetir se você manter uma distância segura.
Parece caricato? Não é. A verdade é que poderia ser (e é) qualquer uma de nós que tem boletos pra pagar e uma ambição profissional.
Nenhuma mulher precisa ser bem-sucedida para passar pelo que Orna passa. Esse assédio horroroso que abusadores ao redor do mundo justificam com “é que você me deixa maluco” é algo que transcende classe, idade, cor — às vezes até gênero. A inadequação, a culpa e o nojo infelizmente são linguagem universal.

O incômodo está no que é comum e não deveria ser, em conseguir se relacionar com um sentimento que pessoa alguma deveria carregar, na banalidade com que a situação de assédio e abuso moral e físico pode acontecer.
Não Mexa Com Ela pode causar um certo desconforto. Principalmente porque joga de volta pra nós algo tão errado como comum e silenciado. Mas também pode inspirar mulheres a enxergar a própria situação de assédio e, principalmente, a como romper com ela. Por isso, entra no hall de filmes incômodos e altamente necessários.
Gaía Passarelli é jornalista e escritora, autora de Mas Você Vai Sozinha? (Globo Livros, 2016). Nascida e criada em São Paulo, mora num prédio velho da Bela Vista com o filho, três gatos e uma crescente coleção de guias de viagem. Você a encontra no twitter @gaiapassarelli e no site gaiapassarelli.com
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