‘Não morri, ainda. Privilégio. Quando deixar de ser privilégio, eu vou’
A fotógrafa carioca Mônica Imbuzeiro fez do autorretrato um refúgio para a descoberta de um câncer que lhe fez perder os cabelos e noites de sono que, agora, são preenchidas com notas avulsas sobre sua dor
06.12.2017 | Por: Audrey Furlaneto
Fotos: Mônica Imbuzeiro
Depois de um dia de quimioterapia, uma noite de insônia. As reações variam de semana a semana, a cada sessão do tratamento. E numa noite em claro, Mônica Imbuzeiro escreveu notas avulsas num caderno. Para ela própria, os escritos notívagos foram inesperados, uma nova forma de tratar da dor do câncer que voltou, depois de três anos desde o primeiro diagnóstico, em 2014. Naquela época, ela usou autorretratos como meio de se expressar — Mônica, afinal, é fotógrafa há mais de 20 anos, 18 deles só no jornal “O Globo”.
“O documental preferido por mim é o desenvolvido através de retratos. Talvez por isso, ao decidir registrar esse momento específico da minha vida, o diagnóstico e o tratamento, eu tenha escolhido o retrato para falar de mim.” Então, nos idos de 2014, posou para si mesma. Sem cabelos, sem sobrancelhas, em fotos quase 3X4 que, depois de reveladas, receberam intervenções, como um tule que deixa entrever seu rosto transformado pelo tratamento ou com os beijos de amigos queridos sobre sua nova imagem.
O câncer voltou neste ano. Com ele, voltaram o tratamento, a insônia e surgiram as notas soltas, escritas de madrugada e esquecidas por ela na manhã seguinte. “São uma forma de me expressar que nunca usei para falar sobre o câncer. Não me lembrava de ter escrito, de verdade. Mas vou tentar não censurar.” Pois cá estão suas notas insones inéditas, com os retratos que fez no início de tudo e publicou só neste 2017, na página do Facebook do coletivo de mulheres fotógrafas Yvy, do qual faz parte, e, agora, em Hysteria.

Você é igual a todo mundo: um dia pode ter câncer. Estou falando de mim. O outro sou eu.
Veneno maldito. De nada, câncer. Veneno bendito. Obrigada, drogas. Não quero veneno.
Não morri, ainda. Privilégio. Quando deixar de ser privilégio, eu vou. Agora não, por favor.
“Rezo por você, oro por você.” Mas se Deus quer me levar? Não entendo. Mas reze, ore, mande energias boas, torça. Eu sinto o amor, permito-me.
Cabelo, boca, peito, buceta. Desculpe, marido. Marido me acha bonita assim. Meu marido.
Rotina. Casinha, plantas, comida, enjoo. Livros, filmes e cúrcuma. Gengibre, suco verde, brócolis. Mas eu quero é doce.
Cabelo cresce enrolado. Pentelho cresce, sobrancelha cresce, cílio cresce. Você continua crescendo.
Vida renasce. Um dia, o câncer volta e você morre mais um pouquinho. Golpe.
Tudo de novo? Não, pior. Mais uma vez tem que ser forte. Não, não, não quero, só quero acordar. Você está acordada.
Mãe, pai, já estão escritos na minha pele. Irmãos, amigos, já têm a boca vermelha na minha pele. Meu corpo, minha casa.
Filhos, não os tive. Grávida? Acabou. Ovário seco, útero seco, dor seca. Adoção, meu novo amor, não. Todo filho merece ter uma mãe.

1 Comentários
Uma resposta para “‘Não morri, ainda. Privilégio. Quando deixar de ser privilégio, eu vou’”
“Tô bebendo minhas culpas,meu veneno, meu vinho…
Escrevendo minha cartas, meu começo, meu caminho
Estou podando meu jardim , estou cuidando bem de mim” Vander Lee
SE CUIDE!!!!!https://www.youtube.com/watch?v=aBAJanV_PnM&list=RDaBAJanV_PnM