‘Nin’ | Com o Ápice chegaremos lá

A criadora do dildo mais charmoso do mercado conta de onde ele veio e para onde pretende ir

12.01.2018  |  Por: Alice Galeffi

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‘Nin’ | Com o Ápice chegaremos lá

Fotos: Pablo Saborido

Foi meio sem querer que a artista Guga Szabzon e seu sócio Taygora Schiavinoto criaram o Ápice, um objeto erótico de madeira feito para mulheres (mas não só). Mesmo com uma produção trabalhosa e demorada, eles já perderam a conta de quantos Ápices fizeram – sempre que sai leva nova tem uma fila de interessados. A demanda é grande e o público consumidor, cada vez mais extenso. Isso porque o Ápice não é como os outros dildos e vibradores, ele é uma peça de arte. Sim, pode ficar na mesa de centro ou ser esquecido pela casa sem grande alarde.

Essa naturalidade do objeto é para Guga uma das coisas mais importantes que ele traz. Depois que começou a produzir e vender o Ápice, Guga percebeu que falar de sexo de uma forma tranquila, sem afetação ou pudor, é fundamental para entendermos nosso corpo e nosso sexo.

Aqui, ela conta de onde veio a ideia e como trabalhar com um objeto sexual mudou sua relação com seu corpo.

 

O Ápice não é só um objeto sexual. Ele é uma peça de arte. Isso subverte as coisas, certo?
Para as mulheres, se masturbar ainda é um tabu, enquanto para os homens é motivo de glória. Então, naturalizar um objeto de prazer feminino, não precisar esconder uma pirocona rosa que brilha no escuro embaixo da cama, já gera um ambiente saudável para uma discussão mais aberta sobre o prazer feminino. Isso faz com que falemos sobre esse objeto sem nos sentirmos envergonhadas, pois ele não causa constrangimento.

Você sentiu isso na sua vida depois que começou a trabalhar com ele?
Sim. Por exemplo, minha tia comprou um, usou e me contou a experiência dela. Eu nunca tinha conversado sobre sexo com ela e de repente esse canal se abriu. Tive uma conversa saudável e sem constrangimento sobre um assunto normal e natural, algo que nunca tinha tido com ela. Fora isso, eu nunca falava sobre sexo e sexualidade. Quando comecei a conversar com as pessoas por conta do Ápice, vi minha relação com a minha sexualidade mudar. O fato de falar fez com que me sentisse mais íntima do meu corpo. Vi que eu tinha fragilidades, vergonhas e pudores que são criados por falta de um ambiente que naturalize esse assunto. O Ápice me abriu essa porta.

Ápice é arte?
É um produto muito artesanal e muito demorado de produzir; sua elaboração é muito complexa e pessoal, portanto é muito difícil capacitar alguém para fazer. Acho que a arte entra justamente aí, quando você chega num lugar em que você descobriu o processo sozinho. A gente tem uma preocupação muito grande com a estética; ele é um objeto bonito, você pode deixar seu Ápice em cima da mesa de centro sem nenhum constrangimento. E isso faz parte da história.

Como vocês criaram o Ápice?
Eu nunca planejei fazer um objeto sexual. Taygora, meu sócio, e eu dávamos aulas no mesmo local: eu, de artes, ele, de marcenaria. Ele é um grande pesquisador de madeira, e desde a época da faculdade se interessava pelos polimentos, acabamentos, texturas etc. Nesses processos artísticos ele pesquisava o contato da madeira com o corpo, e começou a desenvolver uns objetos, tipo uns toquinhos de madeira, que ele lixava infinitamente até parecer uma pedrinha. Esses seixos acabaram virando um jogo de montar para crianças, e como tinha um polimento à base de óleo de coco, elas podiam colocar na boca sem medo.  Um dia a gente estava lá em casa, cozinhando e conversando, e eu estava segurando essas tais pedrinhas, rolando-as de um lado para o outro, apertando, e falei: “Nossa, Tay, isso é tão gostoso, dá vontade de colocar lá dentro!” Na hora já perguntei muito animada se ele podia fazer um mais adequado ao prazer sexual, e pedi para ele desenvolver uma peça. A gente olhou umas referências na internet, fez uns desenhos, e ele foi pra casa fazer o negócio. Uma semana depois me entregou o objeto e me mandou testar. No meio da madrugada liguei pra ele: “Tay, acho que a gente ficou rico!” (risos)

Foi amor à primeira vista?
Eu fui dando uns palpites, achei que tinha que ser mais fino e com mais movimento, mas de cara percebi que aquilo era muito diferente dos outros vibradores e dildos. Eu tinha alguns de plástico, mas eles me incomodam muito. Acho o toque ruim, o cheiro ruim e o lubrificante resseca a xoxota. Nunca tive uma experiência totalmente agradável com esses vibradores, e olha que já tive vários… O Ápice fazia muito mais sentido para o meu corpo.

Alguns objetos eróticos de hoje são meio estranhos mesmo…
Sim, a estética desses objetos é esquisita, eles são muito infantilizados e feios. Os vibradores hoje são carregados de borboletinhas, coelhinhos e até Peppa Pig… é muito pervertido e pouco natural –  pelo menos para mim.

E nenhum Ápice é igual ao outro, certo?
Devido às muitas variações da matéria-prima, e dos desenhos que respeitam essas formas feitos pelo Tay, nenhum Ápice fica igual ao outro. Seu design respeita sempre os veios naturais da madeira, o que possibilita uma resistência singular, mesmo com um design delicado e aparentemente frágil. O processo todo é bem manual e artístico. São muitas etapas, que vão desde o desenho num cubo de madeira, passando pela utilização da grosa, até várias etapas de lixa, complementadas com banhos de óleo de coco, o que impermeabiliza. Não existe uma ciência exata para sua produção. É um objeto instintivo. Não estudamos a vagina para obter o produto anatomicamente correto; é um objeto totalmente sensorial. Acho que os Ápices são como as vaginas, nenhuma é igual à outra (risos).

Antes de ser a mãe de um dildo artístico você  já era artista, certo?
Sim… E acho que nunca tive dúvida, eu já entrei na faculdade de Artes sabendo que não poderia fazer outra coisa. Comecei a produzir lá, e quando testei as técnicas e materiais existentes, vi que nada clássico (como pintura, escultura, gravura ou fotografia) me interessava. Acabei no ateliê da faculdade de moda, usando a máquina de costura para desenvolver meus trabalhos. Minha avó era costureira e me ensinou a mexer na máquina dela. Senti que dominava aquele objeto e entendi que poderia usá-lo nos meus trabalhos de arte. Isso foi há dez anos e até hoje a máquina está presente na minha prática. Inclusive, as capas de feltro que embalam o Ápice, bordo uma a uma. Faz parte da experiência.  

E como é seu trabalho hoje?
Eu utilizo a máquina para “desenhar”, e costuro sobre diferentes materiais, como o papel, o tecido, o feltro. É um processo de pesquisa na base da tentativa e do erro, e principalmente do erro. Meu trabalho está sempre nas bordas do erro. É aí que eu começo a descobrir as coisas. O erro abre mais possibilidades do que o acerto, pois quando você acerta, acabou. Quando você erra o trabalho continua.

 

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