‘Nin’ | ‘Eu não queria ser mãe, mas me tornei mãe por você’

Nunca me reconheci naquelas roupas, naquelas formas, no rosto arredondado, nos pés inchados e nem na dieta rigorosa imposta pela diabetes gestacional. Mas, quando você nasceu, me gerou

10.05.2018  |  Por: Letícia Gicovate

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‘Nin’ | ‘Eu não queria ser mãe, mas me tornei mãe por você’

Quando descobri que estava grávida eu chorei.

E me enfiei embaixo do edredom como se aquilo fosse passar, como se entrando num invólucro escuro eu pudesse fazer aquilo sumir, ou sarar. Mas na manhã seguinte as duas listrinhas azuis continuavam me encarando na pia do banheiro. 

Quando descobrimos que eu estava grávida, seu pai correu pra fotografar um céu meio pálido de fim de tarde, como se as nuvens magrelas, a moldura da janela, e tudo o que rondasse a estratosfera, soubesse que sua vida iria mudar. Eu achei aquela felicidade egoísta e mesquinha, com seu corpo que continuaria igual, sua cerveja no fim do dia, seu dormir, seu acordar, seus planos, sua falta de planos. Ao mesmo tempo minha cabeça explodia em proibições. Como boa adolescente de 30 anos, as limitações não pareciam aceitáveis, e puta que pariu: a lista era extensa.

Mas eu nunca pensei em não ter você. Como uma missão aceitei resignada o que o corpo havia me preparado. Era como uma convocação oficial do universo. Ou um documento vitalício que eu não podia deixar de assinar. Com o tempo fui contando aos amigos e parentes. Alguns me perguntavam onde eu estava com a cabeça e me enchiam de dúvidas. Outros comemoravam e me enchiam de raiva. Eu era o cavalo, o rato de laboratório, a vaca sagrada. Era uma usina termoelétrica, uma chocadeira, uma televisão. Todos me assistiam, cuidavam, cercavam, faziam perguntas, metiam a mão. Homens que haviam me fodido de maneiras inenarráveis cruzavam comigo nas ruas, acariciavam a minha barriga, e me chamavam de “mamãe”.

Seu pai me achava linda como uma imagem sacra e me olhava orgulhoso como a mais perfeita combinação de tudo o que era dele. E eu me desfazia, eu me sentia tudo menos minha, eu era tudo menos eu. Tinha uma etiqueta colada na testa, minha família me acolhia, a sociedade me respeitava, me oferecia assento, conselhos, olhares ternos e mandingas. Mas eu só queria um baseado. Não me reconhecia naquelas roupas, naquelas formas, no rosto arredondado, nos pés inchados, não me reconhecia na dieta rigorosa imposta pela diabetes gestacional. Eu era uma grávida, uma barriga, uma mãe, um bebê, a porra toda.

Mas quando você nasceu, já de olhos abertos inquisitivos, me olhou de banda e me reconheceu. Com segundos de vida você parecia já ter mais planos, convicções e força do que eu aos 30. Com segundos de vida você já sabia muito mais do que eu, e me olhou com tanta certeza, que eu acreditei. Eu te catei no colo, te chamei de minha e te falei ao pé do ouvido um segredo que pra sempre só a gente vai saber. Desde então sou sua amiga, irmã, bróder, médica, paciente, aluna, professora, discípula e guru. Sou sua mãe, sua filha e qualquer coisa que você precisar.

Você me gerou, me reorganizou os órgãos, recriou os caminhos de minhas veias, irrigou meu coração e fez minha vida acontecer. Eu não queria ser mãe. Me tornei mãe por você, me tornei mãe pra você. E até hoje não passei nenhum dia sem te agradecer por isso, meu amor, meu bebê.

Este mês fazem seis anos que eu comemoro o dia das mulheres que também são mães – embora nenhuma delas tenha a sorte de ser sua.

4 Comentários

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4 respostas para “‘Nin’ | ‘Eu não queria ser mãe, mas me tornei mãe por você’”

  1. Luana Ferreira disse:

    Li reli chorei me reconheci em cada palavra .💙

  2. Mari Neivas Xavier disse:

    Gente…..me representa em tudo!!!! 😍😍😍

  3. Lilian Silva disse:

    Que coisa mais linda <3

  4. Bianca Gonçalves da Silva disse:

    😭 estou chorando ate agora… De verdade. Lindo.

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