‘Nin’ | O corpo presente

Designer, apresentadora e esportista, Mariana Salles fala de machismo no trabalho e da nudez que energiza

26.01.2018  |  Por: Alice Galeffi

image
‘Nin’ | O corpo presente

Fotos de Carlos Irineu

Mariana Salles é designer de produto e esportista. Pra ela, trabalho e hobby estão sempre interligados, seja construindo o próprio ski como projeto de faculdade ou aprendendo a voar com seu sócio e parceiro de oficina.  

Depois de trabalhar em escritórios renomados de design e gerenciar a implementação de toda a sinalização do Metrô Rio para a Copa do Mundo, viu que gosta mesmo é de tocar projetos e startups de cunho social e ambiental. Atualmente está envolvida numa pesquisa para seu mestrado sobre como o design pode diminuir a fragmentação da informação na educação inclusiva para crianças com autismo.

Em 2015, foi chamada para apresentar o programa Ski na Nova Zelândia, do canal Off. Fez questão de não usar maquiagem e escolher o próprio figurino. Por trabalhar dentro de uma oficina, surfar e voar, Mariana sempre teve que lidar com o machismo alheio. Nesse processo precisou se provar e se esconder de várias formas.

Aqui, ela conta que foi depois tirar fotos nuas que descobriu seu corpo e sua essência, num exercício que ela descreve como foto-terapia. “Essa over-sexualização vigente hoje vem justamente de um distanciamento que temos do corpo nu, inclusive do nosso próprio corpo nu”, diz. A seguir, o papo que tivemos com ela.

 

Como começou sua relação com o esporte?
Sempre pratiquei esportes. Quando era criança gostava muito de jogar futebol. Desde essa época já me colocavam nesse lugar de “a menina que joga futebol”, alguns até me taxavam  de sapatão. Na real, eu só queria brincar. O ski também sempre esteve presente em minha vida. Quando fui morar no Colorado (EUA) essa paixão explodiu.

Gostar de ski morando no Brasil é meio complicado, não?
Pois é, quando voltei fiquei sem esquiar. Mas foi aí que o Dado, meu sócio na oficina Our Home MakerSpace (OHMS), me apresentou ao voo livre. Três meses depois o canal Off já me chamou para gravar um programa na Nova Zelândia. Foi um ano intenso.

Qual o maior aprendizado que o esporte trouxe?
Sem dúvida foi aprender a estar totalmente presente no meu corpo, principalmente com os esportes que dependem da força da natureza, como o surfe e o voo livre. Ao contrário do ski, que é mais adrenalina e força, nesses esportes você não se move se não estiver em sintonia com a natureza.

E como foi que o design entrou na sua vida?
Sempre curti as aulas de artes, e com 13 anos fui parar numa aula de joias – isso porque não tinha aula de marcenaria na época. Acabei me apaixonando pelo processo de pegar um material do zero e transformá-lo em outra coisa. A partir dali eu soube que queria fazer faculdade de design de produtos. Nos EUA cursei uma faculdade bem mão na massa, onde aprendi marcenaria, soldagem e também a pintar carros, usar torno e fresa, fundição etc. Nessas aulas acabei produzindo meu próprio ski.

E por que você filmou todo o processo de construção do ski?
Como eu sabia que ninguém ia acreditar em mim, decidi filmar tudo. Como muito do que eu tinha aprendido sobre fazer um ski veio da internet, também quis retribuir esse aprendizado colocando um vídeo completo na rede. E foi o vídeo que abriu as portas no Off pra mim. Não viram nenhum vídeo meu esquiando e eu não tinha o perfil de apresentadora do canal, mas me contrataram na hora.

Tanto o esporte como o design de produto são ambientes bem masculinos. Você já se sentiu constrangida nesses locais?
Se eu for falar de todos os incidentes a gente vai ficar aqui pra sempre. Na faculdade, nos EUA, foi difícil. Eu era uma menina num bando de homens, e também era a brasileira. Já ouvi gente dizendo “essa piada você não vai entender porque é de branco”. Até que um dia, numa peneira de portfólios, o meu foi escolhido e ganhei uma bolsa. As pessoas mudaram o comportamento comigo: perdi alguns amigos. Aqui no Brasil, com 24, 25  anos, fui gerenciar a produção de uma fábrica com 70 funcionários. Nenhum gerente de marcenaria, pintura ou adesivagem queria obedecer a uma garota. Eu fui chegando de leve, falando pouco e demonstrando mais. Com o tempo foram me aceitando e respeitando, viram que eu tinha conhecimento pra passar pra eles.

Chefie como uma mulher…
Pois é. Mas tem coisas mais constrangedora. Na época da Bolei (empresa que transforma lixo em novos produtos), após uma reunião importante, o cara disse que precisava me falar uma coisa muito séria. Eu achava que ele ia dizer que nossa empresa era uma merda, fiquei tensa, mas estava doida por um feedback, seca por conselhos. Ele acabou se declarando pra mim, falando que eu era um furacão e que estava apaixonado. Ele era casado, bem mais velho e a gente tinha se visto duas vezes na vida.

E isso prejudica demais o trabalho, né?
Com certeza. Outro dia mesmo um cara disse que só iria continuar as negociações com um possível patrocinador para o meu projeto se eu saísse com ele. Bom, mudei o escopo do projeto, não preciso mais daquele patrocínio. Também já teve homem perguntando, dentro da minha oficina, “o que uma menina tão bonita está fazendo num lugar feito para homens sujos”. E tem também as mulheres… que podem ser bem difíceis. Já ouvi: “Nossa, isso não é roupa de oficina, você vai pruma festa?”, sendo que eu estava com uma roupa o.k., confortável, nem muito arrumada nem muito esculachada. Existe jaleco para colocar por cima quando necessário, além do equipamento de segurança, claro.

E no esporte?
No surfe é um pouco diferente, acho que outras mulheres já quebraram essa barreira, mas mesmo assim, na maioria das vezes que surfo, eu e as minhas amigas somos as únicas mulheres no mar. Já vemos como normal ter que se provar toda vez que entramos na água pra não ficarem rabeirando a gente. Agora, no voo… aí é barra pesada. Praticamente toda vez que voo escuto alguma coisa. Já escutei “olha isso, a mulher vai decolar antes de todo mundo”, e é comum que eu vire o centro das atenções. Ficam narrando e comentando o meu voo.

 

E como você lida com essas situações?
Toda vez que uma coisa assim acontece eu tento, educadamente, deixá-los constrangidos, e não demonstrar raiva, não quero dar atenção nem razão. Não gosto de ser agressiva, mas não dá pra deixar passar. Ainda estou aprendendo a lidar com isso tudo. Fico muito feliz de ver esse movimento feminino de união. No voo livre a gente tem um movimento feminino fortíssimo e unido, promovemos o evento Saia Para Voar, que virou até um documentário. Tenho amigas de vários outros esportes que também estão se movimentando.

Por que resolveu tirar fotos nua?
O Carlos Irineu, fotógrafo, é amigo do meu sócio, o Dado. Um dia ele foi lá na oficina levar uns equipamentos pra consertar, acabou tirando umas fotos do MakerSpace e me perguntou se eu já tinha pensado em posar nua, e eu disse: “Claro que não!” Meses depois ele me convidou de fato. Achei meio bizarro alguém se interessar em tirar fotos minhas. Fui olhar as fotos dele por curiosidade e vi que as mulheres não eram tão comuns, tinham uma estética diferente. Achei interessante pois vi que tinha liberdade e possibilidade de criação.

Qual foi o impacto desse ensaio?
Na época eu tinha muita dificuldade de me ver bem, entender o corpo que eu tinha. Eu não entendia a minha estética. Daí que topei conversar com o Carlos, e essa conversa gerou 800 fotos. Só que fiquei numa coisa tradicional, achando que tinha que ser sensual. Quando eu vi as fotos, saquei que não era aquilo, eu queria trabalhar a forma do corpo, e marcamos outros encontros em que a gente começou a explorar. Ele me deixou muito livre e eu confiei nele; a gente criou uma dinâmica muito fluida. Daí eu vi uma Mariana que não conhecia; me vi sensível, com um corpo às vezes estranho, às vezes bonito, com força e delicadeza… Cada shooting foi diferente, e descobri que me sinto muito bem em movimento, mais do que posando, parada. O que faz sentido, afinal amo esporte. Foi um processo muito íntimo e pessoal, uma foto-terapia mesmo, não é fácil colocar isso no mundo, mas acho importante.

E por que você acha importante divulgar essas fotos?
Nunca imaginei me ver dessa forma, tão sem roupa e sem inibições, foi um processo terapêutico e sinceramente acho que todas as mulheres deveriam fazer. Conseguir ver como outra pessoa vê o meu corpo, num processo que pode ser chamado de exotopia (o fato de uma consciência estar fora da outra, de uma consciência ver a outra como um todo acabado, o que ela não pode fazer consigo mesma), foi muito interessante. Ao mostrar essas fotos quero explorar as diferentes formas e facetas que o corpo tem. Acredito que essa over-sexualização vigente hoje vem justamente de um distanciamento que temos do corpo nu, inclusive do nosso próprio corpo nu.

1 Comentários

Comentar

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Uma resposta para “‘Nin’ | O corpo presente”

  1. Entao… eu estou a dizer um pequeno comentario. primeiramente te dou meus parabens pelo excelente trabalho aqui neste site. quase sempre e muito dificl achar um bom conteudo nesta internet. Tudo aqui esta incrivel. eu simplesmente adorei. a forma com as coisas aqui e postado e otimo. vc agora tem meu respeito.

Deixe uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *