‘Nin’ | ‘O que eu queria era transmitir a humanidade das estrelas pornô’

Batemos um papo com Barbara Nitke, fotógrafa de set durante a era de ouro dos filmes de sexo explícito nos Estados Unidos, entre os anos 70 e 80

27.04.2018  |  Por: Alice Galeffi

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‘Nin’ | ‘O que eu queria era transmitir a humanidade das estrelas pornô’

Barbara no set, 1985

Era um dia quente e úmido de verão em Nova York, longe do que seria o ideal para uma viagem de metrô do Brooklyn para o Harlem, mas era imperdível a chance de conhecer Barbara Nitke no seu home-studio, ainda mais com um cenário de motel anos 90 na sala de estar. As paredes manchadas de verde e a mobília velha e cafona eram um pano de fundo perfeito para nossas quatro horas de conversa sobre a indústria pornográfica, arte e as fronteiras da sexualidade. Foi difícil arrumar um espaço na sua agenda; a mulher que documentou a era de ouro do pornô, durante os anos 70 e 80, agora trabalha como fotógrafa para programas de televisão como o de David Letterman e Project Runway, e seu trabalho é usado como referência para a série do James Franco The Deuce, que conta a história da ascensão dos filmes de entretenimento adulto em Nova York naquela época. Depois de 20 anos no mundo do pornô e sadomasoquismo, ela acredita que sexo tântrico pode ser sua nova empreitada. Mal podemos esperar!

Nina, Henri and Damien, 1986

Como você começou a tirar fotos de backstage para a indústria pornográfica?
Meu ex-marido produziu um filme pornográfico famoso nos anos 70, chamado Devil in Miss Jones. Ele fez uma sequência, Devil in Miss Jones Part 2, e eu perguntei se podia ser a fotógrafa de still. A fotografia era um hobby para mim, e eu achei que podia ser interessante ver como eles faziam filmes de entretenimento adulto. O diretor era Henri Pachard, que era famoso na indústria. Ele gostou do meu trabalho e começou a me chamar para fotografar todos os seus filmes. Eu percebi desde o começo que era uma oportunidade rara para um projeto de arte mostrando a visão por trás das câmeras de como realmente era fazer filmes de sexo, e expor como eram as estrelas pornô quando as câmeras não estavam rodando. Eu acabei trabalhando como fotógrafa de still em mais de 300 filmes entre os anos 70 e 90.

O ápice da indústria pornô foi entre as décadas de 70 e 80, certo?
Sim, a era de ouro do pornô foi entre 1973 e 1985. Os produtores perceberam que eles poderiam fazer muito dinheiro com filmes pornográficos, então eles fizeram um investimento financeiro grande, filmavam em películas de 35mm, tinham boa iluminação, e uma equipe de mais de 20 pessoas. Tinha muita energia criativa circulando desde o roteiro até a câmera. A maioria das estrelas pornô era de atores treinados que sentiam que estavam fazendo um manifesto político ao transar durante as filmagens. Foi um momento inebriante e altamente revolucionário.

Stacey and Joey Silvera, 1985

Como a indústria decaiu?
Desde que o vídeo-cassete foi inventado, todo mundo tinha um em seus quartos e não precisava mais ir ao cinema. Gradualmente, produtores começaram a gravar diretamente para o vídeo em vez de para o cinema. As equipes diminuíram, os roteiros ficaram menores, e nós nos tornamos como trabalhadores de uma fábrica, mais do que criativos.

Os filmes se tornaram um tanto cafonas, certo? A direção de arte parece ter morrido.
Sim, uma vez que gravavam diretamente para o vídeo, era fácil se tornar um diretor de fotografia. Caras só compravam uma câmera, juntavam umas estrelas pornô e gravavam eles mesmos. Eles não achavam que direção de arte era algo importante.

TV Sex, 1992

Como isso afetou seu trabalho?
No geral, a mudança para o vídeo não afetou meu trabalho. O que eu queria era transmitir a humanidade das estrelas pornô – normalmente referidas como talentos – e como elas não eram apenas gatinhas fogosas. Elas eram pessoas complexas, e eu queria que o mundo visse isso. Feministas estão constantemente dizendo que as mulheres estão sendo exploradas, mas isso é apenas parcialmente verdade. Eu senti que essa era uma questão crucial – essa pessoa, tanto homem quanto mulher, é uma vitima ou uma estrela? E essa que é a pergunta, e é isso que torna a indústria pornô tão interessante. É realmente  um enigma, porque são ambos, ao mesmo tempo. Nós vivemos em uma sociedade que nos faz ter vergonha do desejo sexual, e cria essa necessidade para trabalhadoras sexuais de todos os tipos. Eu acho que podemos respeitar as pessoas que preenchem essa necessidade humana, em vez de apenas enxergá-las como vítimas pobres e indefesas. Outra questão interessante: será que é possível tornar o trabalho sexual não humilhante – e isso existe? Isso era uma questão muito importante naquela época, e era um conflito nas mentes dos chamados “talentos”. São essas questões que eu examino no meu trabalho.

Bathroom Kiss, 1995

Você já fotografou a Cicciolina?
Não, mas adoraria ter feito isso. Na verdade, eu tinha tanto ciúme do Jeff Koons. Quando ele fez a série Made in Heaven, eu pensei: por que esse não é o meu trabalho aqui?

Mas, finalmente, você começou a fotografar o universo BDSM. Como isso aconteceu?
Foi por acaso. É incrível como a vida te leva para algumas situações. Era o final dos anos 80, e a indústria pornô havia se mudado para Los Angeles, mas eu decidi ficar em Nova York. Então a indústria do fetiche pornográfico começou a decolar durante o início dos anos 90, e algumas dessas companhias eram radicadas em Nova York. Eu marquei meu primeiro trabalho numa companhia chamada Bizarre Video, porque eu precisava do dinheiro, e conhecia algumas pessoas na equipe. Quando eu entrei no set meu coração estava batendo forte: “Meu Deus, será que vou ser tratada de maneira brutal?” Mas todo mundo era muito simpático. Eu comecei a frequentar o camarim com as travestis e todo mundo, e eu comecei a conhecê-los, então eu pensei: “Uau, acho eu posso fazer outra série artística.” E então, depois de alguns anos, o pornô fetiche me levou para a real cena BDSM. As pessoas que eu conheci foram para mim como uma lufada de ar fresco depois de tantos anos dentro de um mundo tão cínico quanto o do pornô, onde tudo tinha uma etiqueta de preço. Os sadomasoquistas estavam realmente buscando sua real sexualidade, por amor, e não por dinheiro. Eu fiquei tão encantada com todos eles! Eles se apaixonavam, a ponto de ficar: “Meu Deus, eu conheci esse cara, e ele ama quando eu amarro o pau dele, é tão incrível!” Eu sabia que eu precisava tirar fotos deles, mas demorou um pouco até eu visualizar como seriam essas imagens. Eu tinha já fotografado todos os fetiches que eu poderia conceber, e eu queria que esse trabalho transcendesse tudo aquilo, e mostrasse o amor verdadeiro atrás das fantasias e acrobacias.

Vixen, 1997

Você chegou a ficar com medo enquanto fotografava BDSM?
Nunca. Tem algumas pessoas ruins na cena SM, mas é uma comunidade, e se alguém é desse jeito, todo mundo sabe. As pessoas cuidam umas das outras, se protegem e comentam quando existe algum tipo de perigo. Todo mundo que eu fotografei ao longo desses anos me ensinou algo novo – sobre a natureza do impulso erótico, sobre o desejo sexual, sobre espiritualidade, sobre humanidade. Eles me ensinaram que não importa o quanto desejamos expressar o amor, liberdade é ter a coragem de ser quem realmente nós somos. Eu não trocaria as experiências que eu tive por nada.

Traduzido por Maria Clara Drummond

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