‘Nin’ | Sozinha num fervo
Caio na pista me achando cool e jovem como uma personagem da Corinne Day, e acabo me sentindo velha e antiquada como uma pintura de John Singer. Mas afinal, se o sol é para todos, a noite também deveria ser!
17.08.2018 | Por: Letícia Gicovate
thaisamezzavilla\piscina
Batom Borrado.
Essa luz fria me mata.
37 anos, ela grita, como se eu não coubesse mais no corredor afunilado entre a pista de dança e o toalete.
Vai se fuder, respondo com o batom pink recém-retocado, e já borrado pelo canudo da G&T.
De volta à luz escura me sinto livre e bonita, jogo os cabelos e me insinuo selvagem pra uma plateia toda ao menos 15 anos mais nova que eu. O som pesa e o casaco de pelo verde esquenta como se meu corpo fosse um pedaço de Copacabana deslocado na Inglaterra, de corpo e alma.
No bar, a jovem da Bulgária acha super-exótico eu ser do Brasil, e me pergunta afirmando com seu sorriso jovem se é a primeira vez que venho aqui. Pessoas jovens me olham, pessoas jovens dançam, pessoas jovens bebem cerveja e insinuam rituais numa pista repleta de buracos das pessoas mais velhas que não se reconhecem mais aqui. Ou que vieram sozinhas, como eu, e trafegam deslocadas entre a juventude de Dr. Martens, que bebe cerveja e se insinua na pista de uma maneira que eu quase esqueci.
37 anos.
O batom deve estar borrado, o batom sempre esteve borrado desde que me entendo por gente.
Aos 13 anos, a professora de literatura me chamou a atenção numa sala lotada pra avisar que meu batom estava borrado. Foram mais de 15 anos sem usar batom.
Olho as meninas e tento desvendar entre os coats qual esconde o peitinho mais arrebitado.
A pista se esvazia lentamente e eu ainda danço esperando borrar meu batom ainda mais na boca de qualquer jovem de Dr. Martens.
Eu não sou mais jovem. A luz fria me grita no ouvido que eu agora dependo da luz.
E que é melhor consertar o batom antes que eu pareça a doida de casaco verde-esmeralda.
“Vai pra casa, tia”, eu me sussurro. “Já passou da hora de você ir pra casa.”
Amasso com as mãos no bolso a bagana que vai me consolar porta afora, jogo o cabelo me pretendendo madura, segura e selvagem. Ninguém me olha.
Vou pegar mais uma dose de gim. E retocar o batom.
1 Comentários
Uma resposta para “‘Nin’ | Sozinha num fervo”
Muito, bom!!!