Nove lições que empresas devem aprender com as escolas de samba
Diversidade, inclusão, motivação, capacidade de adaptação, valorização de raízes: conheça os trunfos das organizações centenárias de origem preta que movimentam um dos maiores mercados de entretenimento do mundo
15.02.2018 | Por: Linda Marxs
De dentro dos quilombos e irmandades pretas no início do século, principalmente na cidade do Rio de Janeiro, do cruzamento das culturas africanas ancestrais, dos entrudos portugueses, dos Zé Pereiras e cordões populares surgem as primeiras associações pretas cujo intuito era festejar o carnaval de forma organizada oferecendo um espetáculo carnavalesco. Nasciam as escolas de samba, que além de grêmios recreativos e culturais são empresas centenárias de origem preta que aperfeiçoaram o carnaval brasileiro e movimentam um dos maiores mercados de entretenimento do mundo.
Segundo pesquisa recente da Riotur, durante o carnaval são injetados mais de R$ 3 bilhões nos cofres da cidade do Rio de Janeiro. Boa parte deste dinheiro é gerado pelo turismo e pelo carnaval realizado pelas escolas de samba. Por 364 dias do ano, as fábricas de espetáculos carnavalescos trabalham para construir um enredo e entregar um desfile assistido por milhares de pessoas nos principais pólos de carnaval de escola do Brasil (Rio de Janeiro, São Paulo, Porto Alegre, Vitória), além de milhões de pessoas que assistem à transmissão online no mundo inteiro.
A grandiosidade do carnaval já é de conhecimento de todos, mas quais os segredos por trás da organização das escolas de samba e um dos maiores espetáculos populares do mundo que podem ser aprendidos pelas organizações? A seguir, nove pontos que as escolas de samba têm a ensinar às empresas:
1. Favorecer a diversidade real e a inclusão
A escola de samba é um local aberto a todas as pessoas. Diferentes classes sociais compõem a escola e fazem do desfile um dia de celebração das culturas afro e brasileira. Diferentes das grandes empresas, que há pouco se deram conta da necessidade de se incluir pessoas de diferentes perfis, origens e culturas nas organizações (o que pouco conseguem) para sua sobrevivência, as escolas de samba se comprovam como modelo de diversidade cultural em todos os carnavais.
2. Valorizar o processo e motivar os colaboradores
Antes de uma competição entre agremiações para decidir qual escola irá melhor apresentar seu desfile, gerenciar uma escola de samba é manter as pessoas interessadas, ativas e criativas, e isso demanda tempo e trabalho. Antes de se preocupar com as notas dos jurados e as métricas do desfile, é preciso organizar e motivar pessoas para darem seu tempo e conhecimento para a criação do espetáculo, muitas vezes de forma voluntária e com todo o coração. A lição que nos ensinam as escolas é que o trabalho de construção da história da escola e de pertencimento e significação dos colaboradores para darem o seu melhor é constante. A vitória é o processo de se botar o carnaval na Avenida, pois independentemente de alcançar os marcadores mais altos, no dia seguinte ao começa tudo de novo, com a mesma motivação, e este deve ser o espírito de qualquer equipe vencedora.
3. Desenvolver talentos
Pessoas de todas as idades desfilam no carnaval, que é uma incubadora de talentos desde a infância. Muitos músicos, artistas e personalidades famosas da cultura brasileira cresceram nos barracões das escolas e encontraram nas quadras um local de desenvolvimento artístico e profissional. Para a criança preta e afrodescendente, o universo do samba-enredo é local de aprendizado e conexão ancestral negligenciada pelas escolas e pela mídia em geral, mas que compõem a base cultural da organização carnavalesca. Desenvolver as crianças, ou os colaboradores do futuro, garante o futuro das agremiações e a continuidade das empresas.
4. Ter concorrentes, não rivais
Muitos pensam que a competição é o objetivo final do carnaval, mas na verdade entregar um lindo desfile é um fim em si mesmo. Há a rivalidade natural como em qualquer competição, mas existem o desenvolvimento e a cooperação conjunta de muitas escolas e seus participantes. É comum ser torcedor de uma escola, participar do ensaio de outra e desfilar em uma terceira. Quem ama o carnaval sabe da importância do crescimento e do sucesso das concorrentes para o pleno desenvolvimento da festa. Competidores se enfrentam, enquanto concorrentes concorrem de forma autônoma mas conjunta, em que o trabalho de todos é que faz do carnaval uma das grandes festas da cultura brasileira. Essa tese de desenvolvimento social para o bem comum é também chamada de Ubuntu para Negócios, um modelo de gestão empresarial baseado no desenvolvimento comunitário e social.
5. Adaptar a entrega de acordo com os recursos disponíveis
São duas as grandes variáveis da produção de um desfile de samba-enredo: dinheiro e tempo. As escolas sentem duplo impacto financeiro em períodos de crise: a diminuição dos investimentos das empresas privadas e o corte dos investimentos públicos. O tempo de criação, que envolve preparação, produção, desenvolvimento de negócios, marketing e comunicação, também varia de acordo com a data do desfile, que pode acontecer no início ou no fim do mês de fevereiro. Na prática isso pode significar até 20 dias a mais ou a menos de prazo, e o impacto é grande. Conhecendo essas duas informações, as diretorias (boards) e carnavalescos se adaptam a essas variáveis e trabalham para entregar o melhor desfile possível de acordo com os recursos disponíveis e o prazo – e esta é uma grande lição de inteligência de gestão de negócios e economias. Imprevistos e acidentes podem acontecer, mas com crise ou sem crise o show não pode parar.
6. Ter mulheres no comando
Pesquisa da organização Woman in Business – International Business Report de 2017 mostrou que no Brasil apenas 16% das empresas são lideradas por mulheres. Isso significa que é mais fácil ver uma presidenta de escola de samba comandar 5.000 pessoas, entre integrantes, funcionários e artistas, do que ver uma mulher gerenciando um negócio do mesmo porte. Das 34 maiores escolas do carnaval de São Paulo, mais de 20% são presididas por mulheres e 50% têm mulheres na diretoria, em cálculos aproximados. Claro que a comparação é meramente ilustrativa, mas não deixa de ser uma grande lição para empresas que pretendem se adequar aos novos tempos e valorizar o trabalho das mulheres nas organizações.
7. Posicionar-se politicamente de forma autêntica
Muitas empresas se calam com medo de se comprometer e as poucas que se posicionam acabam enfiando os pés pelas mãos ao apoiar causas sociais. Questões sociais e políticas são temas difíceis que deveriam ser levados com mais seriedade e menos marketing pelas empresas. Apoiar uma causa ou ajudar no empoderamento humano é algo importante que deveria fazer parte da missão de qualquer negócio, mas sem consistência com o que se prega denota oportunismo e falta de coerência. O carnaval sempre foi um lugar de protesto e posicionamento político sem perder a beleza e o brilho da festa. Aprender a combinar posicionamento e missão é importante para empresas que queiram construir a personalidade da sua marca de forma autêntica.
8. Valorizar as raízes e celebrar os antepassados
Essa ligação com a base ancestral das culturas afro, com conhecimentos deixados pelos que vieram antes de nós, ainda resta forte dentro das comunidades, apesar da invasão cultural e do samba abstrato que tanto insistem em se alastrar. Nas letras, nos fazeres artísticos, nos enredos, as escolas de samba continuam sendo locais de resistência, e isso se mantém pelo respeito e devoção aos mais velhos. E essa conexão entre o velho e o novo que vemos tão naturalmente nas escolas é um grande dilema para grandes empresas que muitas vezes desprezam a experiência dos mais velhos e formam uma nova geração de colaboradores desprendidos dos princípios e valores fundamentais que criaram a empresa.
9. Entregar um grande desfile sempre, não importa o que aconteça
Claro que diversas críticas cabem ao carnaval e a quem está no comando das escolas, controlando esse mercado bilionário e se apropriando das empresas que são pretas na sua origem. Mas a verdade é que a genialidade carnavalesca que vemos hoje é fruto do trabalho e do desenvolvimento tecnológico e estético de pessoas pretas de quilombos, favelas e periferias deste Brasil que consagraram pela sabedoria e pelo talento de nossos ancestrais, em conjunto com a participação de outros eixos culturais, a excelência e o reconhecimento social desse grande evento. Assim como as pequenas, médias e grandes empresas, as escolas de samba vêm há décadas enfrentando todo o modelo burocrático brasileiro, os preços altos e o tão famoso Risco Brasil utilizando, resistindo e crescendo a partir de um modelo organização que cada vez mais se aparenta ao management das companhias, mas ainda tem muito da sabedoria das tias dos rarracões a ser ensinada a CEOs e Presidentes.
4 Comentários
4 respostas para “Nove lições que empresas devem aprender com as escolas de samba”
oi
Interessante esse ponto de vista:
“essa conexão entre o velho e o novo que vemos tão naturalmente nas escolas é um grande dilema para grandes empresas que muitas vezes desprezam a experiência dos mais velhos e formam uma nova geração de colaboradores desprendidos dos princípios e valores fundamentais que criaram a empresa.”
Interessante como a responsabilidade social vem se apresentando cada vez mais como um fator preponderante nos objetivos da empresa e como a diversidade de pessoas (diferentes idades, sexo, etc), fazem a diferença no resultado final, pois unimos assim a experiencia dos mais velhos, a sensibilidade feminina com. forca e motivação do jovem para a realidade e a velocidade da mudança;
É isso aí, Marco!