O bolo e as bolsas
A experiência de ir a uma festa abastada onde até mesmo objetos inanimados têm nome e sobrenome
17.07.2018 | Por: Isabel Guéron
Chegamos na festa.
Casona dessas que você vê que passou por um decorador profissional. Homens bebendo ao fundo, num conjunto homogêneo, e mulheres reunidas em torno de uma grande mesa de madeira maciça.
Eu e ele ficamos alguns segundos parados na porta, sem saber para onde ir, até que chega a dona da casa, belíssima. Elogia meu vestido (ufa, acertei), indica o grupo masculino para ele e me conduz docemente à távola feminina.
Elas falavam sobre pessoas. Nomes e sobrenomes. Deviam ser importantíssimas, pois todas conheciam cada figura citada. E a cada nome repetiam em uníssono:
– Ah, essa é maravilhosa.
– Ele é inconfundível!
E eu fiquei ali, semi-sorrindo, tentando me inteirar sobre aquele assunto. Seriam escritores? Filósofos? Talvez arquitetos ou decoradores? Que angústia.
Depois uma delas disse que tinha comprado cinco daquelas figuras importantes de uma vez só. Comprado.
Nesse momento fiquei confusa, depois compreendi, atrasada.
Eram bolsas. As pessoas eram bolsas. As bolsas têm o nome das pessoas que desenharam as bolsas. Eram grifes.
Me levantei. Escondi minha bolsinha jeans debaixo de uma almofada oriental e fui atrás dele. Segui por um grande jardim, esbarrei em dois garçons e peguei um espumante.
Não tinha cerveja.
Avistei-o cabisbaixo, com um ar levemente chocado. Ele me viu, pediu licença na roda e veio em minha direção com algum desespero em sua fisionomia. Senti que o estava salvando.
– Não dá! Ele desabafou.
Éramos dois solitários num gramado verde. Tava dureza o entrosamento. Não sentia isso desde a escolinha de ginástica olímpica, no Fluminense.
Sentamos numa pedra artificial e investimos nos comes e bebes de altíssimo nível e pequeníssimas porções. Cada pratinho lindo, mas a fome sacia mesmo depois do décimo terceiro, décimo quarto potinho fofo.
A amizade com um amigo ator, que estava garçom, foi fundamental para incluir nossa pedra no percurso das iguarias. Primeiro foram três potinhos de 50 gramas de bobó de camarão. Depois mandei duas porçõezinhas da Barbie de arroz de pato, intercalei com meia dúzia de minipratinhos de penne ao sugo. Arrematei com duas saladinhas e guardei espaço para o doce.
O bolo era um evento à parte. Lindo, estampado e exuberante como nunca achei que um bolo pudesse ser. Estava no centro de outra bela mesa, situada numa outra linda sala Casa Cor. Imponente, seguro, dono de si. Nem sei pra que convidados, o bolo bastava.
Me aproximei cuidadosamente da mesa. Nos olhamos, eu o bolo. Ele tinha seu ar de superioridade, como quem está no lugar certo.
Me olhava com aquele sorriso doce demais, enjoativo, quase cínico. Reparou no meu vestido repetido e nas minhas unhas sem esmalte. Bolo escroto, bolo soberbo.
Então uma mulher desconhecida se aproximou.
– Lindo esse Constância Jacques, não achou?
– Quem?
– O bolo.
– Ah…
O bolo tinha nome e sobrenome também.
Era primo das bolsas.
2 Comentários
2 respostas para “O bolo e as bolsas”
Renata!!! Que bom, essa Hysteria é um barato mesmo. Estou adorando coexistir com essas minas do balaco! Beijo.
Já li os quatro! Tô amando! E o melhor foi aproveitar pra adentrar nessa hysteria a fundo – descobri vários textos muito legais. Virei fã!