O dinheiro na tela: como a representação da riqueza mudou nos últimos anos

Uma lista de filmes e séries que têm (ou não) um olhar mais crítico diante daqueles que ocupam o topo do 1%, em tempos de desigualdade social chegando a extremos

10.11.2021  |  Por: Maria Clara Drummond

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O dinheiro na tela: como a representação da riqueza mudou nos últimos anos

O que mais tem no cinema e na televisão é wealth porn; existe um certo prazer em gozar com o pau alheio. É entretenimento garantido, audiência fácil. No entanto, o atual contexto histórico espera um olhar mais crítico diante daqueles que ocupam o topo do 1%. A crise de 2008 desencadeou uma progressiva descrença com o capitalismo, vide o movimento Ocuppy Wall Street, em 2011. E, agora, com a pandemia, a desigualdade social chegou a níveis extremos a ponto de qualquer bilionário, mesmo simpático, soar meio Maria Antonieta. Selecionamos algumas séries e filmes que captaram bem esse espírito. E outras que ainda não! 

Succession, serie criada por Jesse Armstrong, dialoga bem com esse zeitgeist: sua representação da riqueza consegue a façanha de não soar maniqueísta nem glamurizante. A serie estreou sua terceira temporada em Outubro na HBO. Para quem não conhece, trata-se de uma tragicomédia bem shakespeariana sobre a luta pelo poder dentro de uma família à la Rupert Murdoch. O objetivo não é seduzir, é investigar o que existe de profundo naquelas pessoas tão superficiais. A paleta de cores é neutra, apagada, quase sem graça. A direção favorece enquadramentos fechados, focados na expressão facial dos personagens, de modo que nem prestamos atenção no cenário, por mais opulento que seja. O tom satírico faz com que a gente ria deles, não com eles. São decisões relacionadas à forma que diferenciam a série de outras com conteúdo parecido (dinheiro, poder etc.). 

A Grande Aposta, filme sobre a crise de 2008, foi dirigido pelo produtor de Succession, Adam McKay. Eis uma pessoa sabe como ninguém equilibrar entretenimento com uma visão realista, nua e crua, sobre o poder. Aqui, desnuda a estupidez intrínseca à maioria dos investidores de Wall Street. Os protagonistas do filme são pessoas que entenderam o que estava acontecendo quando ninguém mais no mundo entendia. Ainda assim, o filme poderia ser resumido na famosa citação do escritor Upton Sinclair: “É difícil fazer um homem compreender algo quando seu salário depende, acima de tudo, que não o compreenda.” 

O Lobo de Wall Street é divertido e muito bem feito, afinal, foi dirigido por Martin Scorsese. Mas, como diz o meme, será que é bom tom glamurizar um criminoso de colarinho branco a esta altura do campeonato? Há diversas interpretações que o filme seria sim crítico ao seu protagonista… De qualquer forma, a crítica é sutil o suficiente para que seu maior investidor fosse uma figura à la Jordan Belfort – Riza Aziz, conhecido por seu estilo de vida extravagante e condenado por lavagem de dinheiro. 

Gossip Girl é o item mais low brow desta lista, mas está aqui pelo timing: a primeira temporada foi ao ar no ápice do wealth porn, em 2007. No entanto, veio a crise, e a pergunta: o que fazer com esses personagens insanamente ricos enquanto a maioria da população está em apuros financeiros? A solução foi fingir que nada aconteceu e dobrar a aposta, com a narrativa ficando cada vez mais frágil, mais novelesca e menos satírica, os personagens cada vez mais amorais, mas sem condenar essa amoralidade. O melhor exemplo? Chuck Bass, o rico babaca, abusador sexual, virou o galã queridinho do público. 

Psicopata Americano é anti-wealth porn antes de ser modinha. Patrick Bateman é um serial killer gato que veste roupas incríveis, mora em um apartamento espetacular, vai a restaurantes badalados e trabalha em Wall Street. Tinha tudo para ser um personagem aspiracional (não vamos fingir que não existe um fetiche com serial killers…). Mas é impossível não achar ridícula a obsessão do personagem com os itens mais aleatórios de status, como cartão de visitas e o restaurante (fictício) Dorsia. 

Wall Street era para ser uma crítica à ganância feita pelo diretor politicamente engajado Oliver Stone. Mas a verdade é que tem muito rapazote do mercado financeiro que tem como ídolo  o vilão do filme, Gordon Gekko – a ponto do seu intérprete, Michael Douglas, precisar explicar para os fãs que não, ele não é um cara legal, não queira ser igual a ele. 

 

Maria Clara Drummond é jornalista e escritora, autora dos romances A Realidade Devia Ser Proibida (editora Companhia das Letas, 2016) e A Festa É Minha e Eu Choro Se Eu Quiser (editora Guarda Chuva, 2013)

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