O horror à desconexão em 12 histórias
A poeta e redatora Ana Guadalupe conta como foi traduzir o livro 'Cat Person e Outros Contos', mega lançamento da escritora estreante Kristen Roupenian
23.01.2019 | Por: Gaia Passarelli
A escritora Kristen Roupenian sobre arte com a capa da edição brasileira do livro, que acaba de sair no Brasil pela Companhia das Letras
Livro de contos de escritora estreante tem status de lançamento importante e a culpa é da internet. Explico. Em fins de 2017 fomos todos impactados pela leitura de Cat Person, conto escrito por Kristen Roupenian e publicado no site da revista New Yorker. É a história do encontro entre uma garota, Margot, e um homem mais velho, Robert, com uma longa troca de mensagens digitais e o desencanto posterior a uma transa que não rolou legal. Margot, sempre na terceira pessoa, atravessa os estágios que mulheres conhecem tão bem: a decisão de dar uma chance, o encantamento com alguém distante, o medo de estar sozinha com um homem desconhecido, aquele momento em que você decide ir em frente apenas para acabar logo com aquilo e o arrependimento posterior. Cat Person, o conto, é bem narrado e, em tempos de #MeToo, foi analisado e discutido longamente na internet e fora dela. Ao longo das semanas finais de 2017, ganhou manchetes no mundo todo (o jornal inglês Guardian definiu bem: “O conto que gerou mil teorias”), além de uma interessante conta no Twitter: Men React to Cat Person.
Se a repercussão foi assustadora, como Roupenian conta nesta entrevista, também gerou um contrato (literalmente) milionário com a editora Simon & Schuster, além de uma série em desenvolvimento na HBO. É o sonho de qualquer escritora em início de carreira e escarrara a voracidade com que a geração Twitter/WhatsApp está disposta a consumir conteúdo sobre ela mesma. A autora também é a primeira convidada confirmada da Flip 2019.
Para o lançamento do livro Cat Person e Outros Contos no Brasil, a tradução foi responsabilidade da também escritora Ana Guadalupe, que conta que acompanhou o interesse pelo conto em 2017. “Eu tinha acabado de ficar solteira e, apesar de ser mais velha que a protagonista, me identifiquei com as nuances do ‘date ruim’ e com a desconexão entre realidade e fantasia dos primeiros contatos com uma pessoa nova. Achei que ela capturou a linguagem da internet e o medo que é bem característico da experiência feminina, como aquela sensação de ‘ele pode me matar’ que toda mulher (infelizmente) já sentiu.”
Ana, que também é poeta e redatora, já tinha traduzido um livro para a Companhia das Letras, Coração Azedo, de Jenny Zhang. “São livros de estreia de autoras jovens que têm um humor meio escatológico, e acho que por isso me procuraram.” Ela comenta mais na entrevista abaixo.
No seu Instagram você comentou sobre a tradução e fala em “terrir”. É uma percepção sua ou veio da autora?
É percepção minha mesmo, uma preferência pessoal. Como leitora, gosto muito dos extremos de terror e humor que ela constrói em quase todos os contos. E acho que ela é boa nas duas coisas: faz o leitor gargalhar e ficar arrepiado em contos diferentes ou momentos diferentes do mesmo conto.
Você também fala que foi um trabalho desafiador. Em que sentido?
Tinha a sensação de responsabilidade, porque sabia que o livro ia receber muita atenção e que eu precisava acertar o tom. Mas no post eu também me referia à minha vida pessoal naquele momento.
Dos 12 textos do livro, tem algum favorito? Por quê?
Tenho alguns favoritos. Acho que Look at Your Game, Girl trata da adolescência de um jeito muito preciso, com a ambivalência da personagem diante de uma figura masculina perigosa, mas “agradável”, de “olhos muito azuis”.
Pra você, qual é o tema central, a ideia que amarra os 12 contos de Roupenian?
Acho que é o horror da desconexão. Me parece que todos os personagens tentam criar vínculos, tentam se aproximar do outro, mas não conseguem por inúmeros motivos e acabam reagindo ou se “deformando”.
Encontre o livro, lançado neste começo de 2019 pela Companhia das Letras, aqui:
https://www.companhiadasletras.com.br/detalhe.php?codigo=14536
E siga a Kristen Roupenian e a Ana Guadalupe no Twitter:
https://twitter.com/kroupenian
https://twitter.com/anaguadalupe
Gaía Passarelli é jornalista e escritora, autora de Mas Você Vai Sozinha? (Globo Livros, 2016). Nascida e criada em São Paulo, mora num prédio velho da Bela Vista com o filho, três gatos e uma crescente coleção de guias de viagem. Você a encontra no twitter @gaiapassarelli e no site gaiapassarelli.com
0 Comentários